sexta-feira, 17 de outubro de 2014

17h40

Estou um pouco aturdida agora. Vovô e vovó saíram há pouco tempo, mas eu fiquei para trás,
aqui, na UTI. Estou sentada em uma das cadeiras, lembrando da conversa entre eles, que foi
tranquila até saírem da UTI. Já do lado de fora, e eu os segui, logo atrás vovô virou-se para o
vovó e perguntou:
— Você acredita que a decisão depende dela?
— Que decisão?
Vovô pareceu meio incomodado e diminuiu o passo.
— Ah, você sabe... Decidir... — sussurrou.
— Do que você está falando? — A voz da vovó soou ao mesmo tempo exasperada e terna.
— Sei lá do que estou falando. Quem acredita em anjos aqui é você.
— Mas o que isso tem a ver com a Mia? — indaga vovó.
— Se eles se foram, mas continuam aqui, como você acredita, podem querer que ela se una
a eles. E então? E se ela quiser se unir a eles?
— Não funciona assim — retrucou vovó.
— Ah. — Foi tudo o que o vovô respondeu.
E as perguntas se acabaram.
Depois que saíram, fiquei pensando que talvez, algum dia, eu contaria à vovó que eu nunca
acreditei muito na teoria dela de que pássaros e coisas do gênero poderiam se tornar anjos da
guarda das pessoas. E agora, mais do que nunca, tenho certeza de que esse tipo de coisa não é
possível.
Meus pais não estão aqui. Não estão segurando a minha mão, nem tentando me animar. Eu
os conheço o suficiente para saber que, se pudessem, eles o fariam. Talvez não os dois.
Provavelmente mamãe teria de ficar com Teddy enquanto o papai ficaria comigo. Mas nenhum
dos dois está aqui.
E é enquanto reflito sobre isso que penso sobre o que a enfermeira disse. É ela quem
comanda o show. E, de repente, entendo a pergunta que vovô fez à vovó. Ele também tinha
ouvido o que a enfermeira disse. E compreendeu a mensagem antes de mim.
Se eu ficar. Se eu viver. A escolha é minha.
Todo esse lance de coma induzido é papo de médico. Não cabe aos médicos. Não depende
dos anjos que não podemos ver. Também não depende de Deus que, se existir, está em algum
outro lugar por aí neste momento. Só depende de mim.
Mas como é que eu vou decidir isso? Como é que posso ficar sem mamãe e papai aqui
comigo? Como é que posso partir sem Teddy? Ou sem Adam? Isso é demais para mim. Não
sei nem mesmo como é que isso funciona, como estou aqui neste estado em que me encontro e
nem como sair dele se for este o meu desejo. Se eu pudesse falar, diria que quero acordar , e,
nesse caso, será que eu acordaria agora mesmo, neste exato momento? Já tentei levantar e sair
à procura de Teddy e já tentei me transportar para o Havaí, mas não funcionou. Tudo isso
parece demasiadamente complicado.
Mas apesar de tudo, acredito que é verdade. Ouço as palavras da enfermeira de novo. Sou
eu quem está no comando. Todos estão esperando por mim.
Sou eu quem deve decidir. Agora sei.
E isso me aterroriza mais do que qualquer outra coisa que aconteceu hoje.
E onde será que Adam está?


***

Uma semana antes do Halloween, no meu último ano do Ensino Médio, Adam apareceu na
porta da minha casa, triunfante. Ele segurava uma capa plástica, dessas que a gente usa para
proteger o vestido, e estava com um sorriso de orelha a orelha.
— Prepare-se para morrer de inveja. Acabo de conseguir a melhor fantasia do mundo —
disse.
Adam abriu o zíper da capa. Dentro, havia uma camisa branca cheia de babados, uma calça
curta e um casaco longo de lã com dragonas.
— Você vai se vestir de Seinfeld com uma camisa bufante? — perguntei.
— Pfff! Seinfeld. E você se considera uma musicista clássica. Eu vou me vestir de Mozart.
Espere, você nem viu os sapatos ainda!
Adam pegou um saco plástico e retirou dele um par de sapatos pretos desajeitados, com
fivelas de metal na parte de cima.
— Legal. Acho que minha mãe tem um par igualzinho — falei.
— Você está com inveja porque a sua fantasia não é tão legal quanto a minha. E eu vou usar
meia-calça também. Tenho plena consciência da minha masculinidade. E também vou usar
uma peruca.
— Onde foi que você conseguiu tudo isso? — perguntei, pegando a peruca que parecia feita
de estopa.
— Num site. Paguei só cem dólares.
— Você gastou cem dólares numa fantasia de Halloween?
E ao ouvir a palavra Halloween, Teddy desceu as escadas em disparada, me ignorando
totalmente e puxando a corrente que estava presa à carteira de Adam.
— Espere aqui! — exigiu ele, subiu as escadas correndo e voltou alguns segundos depois
segurando uma sacola. — Gostou desta fantasia? Ou vou ficar com cara de bebezinho? —
perguntou Teddy, tirando um tridente, um par de chifres demoníacos, um rabo vermelho e um
macacão vermelho.
— Óóóh! — exclamou Adam dando um passo para trás e arregalando os olhos. — Estou
tremendo de medo só de olhar essa fantasia e olha que você nem chegou a vesti-la!
— Sério? Você não acha que o macacão me deixa com cara de bobão? Não quero que
fiquem tirando sarro de mim — declarou Teddy com as sobrancelhas franzidas, deixando
clara a seriedade do assunto.
Sorri para Adam que se esforçava para sufocar uma gargalhada.
— Macacão vermelho, chifre de diabo e rabo pontiagudo é tão satânico que ninguém vai se
atrever a rir de você, a menos que não estejam nem aí para a maldição eterna — assegurou
Adam.
Teddy abriu um largo sorriso, mostrando uma janela entre os dentes da frente.
— Foi mais ou menos isso que a mamãe disse, mas eu queria ter certeza de que ela não
estava me falando só pra eu não reclamar da fantasia. Vocês vão me levar para brincar de
“gostosuras ou travessuras”, não é? — Agora, ele olha para mim.
— Como fazemos todos os anos — respondi. — Como é que eu vou conseguir uns doces se
não for assim?
— Você também vai com a gente? — perguntou para Adam.
— Não vou perder isso por nada.
Teddy deu meia-volta e subiu as escadas voando. Adam virou-se para mim.
— Teddy já escolheu a fantasia dele. E a sua? Qual vai ser?
— Ah, eu não sou o tipo de garota que usa fantasia.
Adam revirou os olhos.
— Ora, então vai virar uma. É Halloween, o nosso primeiro juntos. A Shooting Star vai
fazer um grande show hoje à noite. O traje é à fantasia, e você prometeu que iria.
Por dentro, resmunguei. Depois de seis meses com Adam, me acostumei com a ideia de
sermos o casal estranho da escola — as pessoas nos chamavam de “O Moderninho e a Nerd”
e eu já estava me acostumando também com os colegas de banda dele e cheguei até mesmo a
aprender algumas gírias do rock. Já conseguia me virar bem quando Adam me levava ao
Porão do Rock, uma casa meio estranha perto da faculdade onde o resto da banda morava. Eu
podia até mesmo participar das festas punk rock em que todos os convidados tinham de levar
alguma coisa da própria geladeira, algo que estava próximo de vencer ou estragar. Juntávamos
todos os ingredientes e cozinhávamos alguma coisa. Eu era realmente muito boa em encontrar
maneiras de transformar carne de soja, beterraba, queijo de cabra e damasco em algo
comestível.
Mas continuava odiando os shows e me odiando por isso. Os lugares onde a banda se
apresentava eram fumacentos, o que fazia os meus olhos arderem e deixava as minhas roupas
fedendo. Os amplificadores reproduziam o som tão alto que a música retumbava e permanecia
zunindo nos meus ouvidos mesmo depois do término do show, me impedindo de dormir. Eu
me deitava na cama, ficava repassando mentalmente a noite estranha e me sentia cada vez pior
diante das cenas.
— Não me diga que você vai amarelar — disse Adam parecendo magoado e irritado ao
mesmo tempo.
— Mas e Teddy? Prometemos a ele que o levaríamos para pedir doces e...
— Sim, às cinco da tarde. Precisamos chegar lá no local do show até as dez da noite.
Duvido que até mesmo o Mestre Teddy conseguiria brincar de “gostosuras ou travessuras” por
cinco horas seguidas. Logo, você não tem desculpa, e é melhor que ponha uma fantasia bem
legal porque vou ficar lindo, e num estilo meio século 18.
Depois que Adam saiu para trabalhar, entregando suas pizzas, senti uma pontada no
estômago. Subi as escadas e fui praticar a peça de Dvořák que a professora Christie havia me
dado como lição de casa, e para digerir o que estava me aborrecendo. Por que eu não gostava
dos shows dele? Será que é porque a Shooting Star está ficando famosa e eu estou com
ciúmes? Será que o amontoado de tietes que não parava de crescer estava me incomodando?
Isso me parecia uma explicação perfeitamente lógica, mas não era verdadeira.
Depois de dez minutos que eu estava tocando, minha ficha caiu: minha aversão aos shows
de Adam não tinha nada a ver com a música, nem com as tietes e muito menos com ciúmes. O
problema eram as dúvidas. As mesmas dúvidas perturbadoras que sempre tive em relação a
não fazer parte de alguma coisa. Eu sentia como se não fizesse parte da minha família e agora
era como se eu não pertencesse ao mundo do Adam, exceto pelo fato de que, diferentemente da
minha família, que tinha um vínculo comigo, Adam havia me escolhido. E isso eu não
conseguia compreender. Por que ele se apaixonou por mim? Não fazia o menor sentido. Sabia
que a música, acima de tudo, foi o que nos uniu, o que nos colocou no mesmo lugar, de
maneira que pudéssemos nos conhecer melhor. E sabia que o Adam adorava a maneira como
eu me envolvia com a música e que ele entendia o meu senso de humor que era “tão negro que
era quase impossível de se compreender”, conforme ele mesmo dizia.
E, por falar em negro, sabia que ele tinha uma queda por garotas com cabelo escuro, porque
todas as namoradas que Adam teve tinham o cabelo escuro. E eu sabia que quando ficávamos
juntos, sozinhos, poderíamos conversar por horas e horas, ou simplesmente ficar lendo um ao
lado do outro, cada um com o seu iPod ligado e ainda assim, nos sentíamos completamente
unidos. Tudo isso estava muito bem resolvido e entendido na minha cabeça, mas não no meu
coração. Quando eu estava com Adam, me sentia eleita, escolhida, especial, e isso só fazia
com que eu me perguntasse ainda mais: por que eu?
E talvez fosse este o motivo pelo qual, mesmo que Adam estivesse disposto a assistir a um
concerto das sinfonias de Schubert, bem como aos recitais nos quais eu me apresentava, me
dando um buquê de lírios (minha flor preferida), eu ainda preferia ir a uma consulta com o
dentista a assistir a um dos seus shows. O que era uma grosseria de minha parte. Pensei no que
mamãe me dizia, às vezes, quando eu estava me sentindo insegura: “Finja até que as coisas
deem certo”. Depois que terminei de tocar a peça pela terceira vez, decidi que eu não só iria
aos shows dele, mas que daquele momento em diante eu me esforçaria ao máximo para
compreender o mundo do Adam, da mesma forma que ele compreendia o meu.
— Preciso da sua ajuda — falei para mamãe naquela noite depois do jantar, enquanto
estávamos uma ao lado da outra na pia, lavando a louça.
— Acho que chegamos à conclusão de que eu não sou muito boa em trigonometria. Talvez
seja melhor que você tente um tutor on-line ou alguma coisa do tipo — disse mamãe.
— Não é nenhum problema de matemática. É outra coisa.
— Faço o que puder pra ajudar você. O que precisa?
— De um conselho. Quem é a garota mais legal, mais durona, mais sexy e mais roqueira que
você conhece?
— Debbie Harry — respondeu.
— Aquel...
— Não terminei — interrompeu mamãe. — Não me peça pra escolher uma só. Isso parece
com A escolha de Sofia. Tem a Kathleen Hannah. A Patti Smith, Joan Jett. Courtney Love, do
seu jeito destrutivo e maluco. Lucinda Williams que, embora cante country, é tão durona
quanto as garras de um tigre. Tem a Kim Gordon do Sonic Youth, que já está chegando aos
cinquenta e continua firme e forte. Cat Power. Joan Armatrading. Mas por que quer saber
isso? Alguma pesquisa para estudos sociais?
— Mais ou menos — respondi, enxugando um dos pratos. — É para o Halloween.
Mamãe juntou as mãos cheias de sabão num gesto de satisfação.
— Você está pensando em se fantasiar como uma de nós?
— Sim. Você pode me ajudar?
Mamãe saiu do trabalho mais cedo para vasculharmos as lojas. Ela decidiu que seria melhor
criar um look de roqueira próprio para mim, mais do que tentar copiar alguma artista.
Compramos uma calça de couro justa e brilhante, uma peruca loira com franja, à lá Debbie
Harry nos anos 1980, na qual a mamãe pintou algumas mechas com tinta roxa. De acessórios,
compramos uma pulseira de couro preta para um braço e um conjunto com vinte braceletes
agrupados para o outro. Minha mãe encontrou uma camiseta antiga dela da banda Velvet
Underground — e me advertiu para não tirá-la de jeito nenhum, pois temia que alguém a
roubasse e a vendesse no eBay por centenas de dólares — e botas pretas de couro e bico fino,
as mesmas que ela usou em seu casamento.
No Halloween, ela me maquiou, desenhando com o delineador traços espessos e pretos, que
deixaram meus olhos com um ar de perigosos. Um pó compacto para deixar a minha pele
pálida. Desenho de um corte profundo e vermelho nos meus lábios. Um anel no nariz. Quando
olhei no espelho, vi minha mãe me espreitando. Talvez fosse pela peruca loira, mas aquela foi
a primeira vez de fato que me senti como um membro da minha família.
Meus pais e Teddy ficaram lá embaixo esperando por Adam enquanto eu fiquei no meu
quarto. Era como se aquilo fosse um baile de formatura ou algo do gênero. Papai ficou com a
câmera. Mamãe estava praticamente dançando de tanto entusiasmo. Quando Adam atravessou
a porta, dando um banho daquelas balas Skittles para Teddy, mamãe e papai me avisaram para
descer.
Desci as escadas com o maior cuidado possível, sobre os saltos. Esperava que Adam fosse
ficar enlouquecido quando me visse, sua namorada que sempre usava jeans e suéteres, toda
produzida. Mas ele me cumprimentou com aquele sorriso de sempre, com uma risadinha a
mais.
— Fantasia legal. — Foi tudo o que ele disse.
— Só estou retribuindo. Nada mais justo — falei, apontando para o traje à la Mozart dele.
— Acho que você está assustadora, mas linda — disse Teddy. — Eu ia dizer sexy, também,
mas sou seu irmão, então não ia ser legal.
— Como é que você sabe o que significa sexy? Você só tem seis anos — indaguei.
— Todo mundo sabe o que significa sexy — ele respondeu.
Todos, menos eu, pensei. Mas naquela noite, acho que aprendi. Quando batemos às portas
para perguntar por “gostosuras ou travessuras?”, meus próprios vizinhos que me conheciam há
anos não me reconheceram. Caras que nunca nem sequer me olharam de relance, me olharam
não uma, mas duas vezes. E, toda vez que isso acontecia, eu me sentia um pouquinho mais
como a garota sexy e perigosa que eu estava fingindo ser. Fingir até que as coisas dessem
certo parece que, de fato, funcionava.
O clube onde a Shooting Star se apresentaria estava lotado. Todos estavam fantasiados, a
maioria das garotas com roupas insinuantes, muitas num estilo empregada francesa com
decotes generosos, dominadoras com chicotes à mão, Dorothys de O mágico de Oz num estilo
muito mais vulgar, com minissaias que deixavam a cinta liga à mostra, o que normalmente me
fazia sentir como uma completa idiota. Mas não me senti uma idiota naquela noite, mesmo que
aparentemente ninguém tenha notado que eu estava fantasiada.
— Você tinha que ter vindo fantasiada — retrucou um cara com fantasia de esqueleto antes
de me oferecer uma cerveja.
— Nossa! AMEI a sua calça! — exclamou uma garota bem no meu ouvido. — Você
comprou em Seattle?
— Você não faz parte da Crack House Quartet? — perguntou um cara com uma máscara de
Hillary Clinton, se referindo a uma banda que Adam amava e eu odiava.
Quando a Shooting Star começou a tocar, não fiquei nos bastidores, que era o que eu
normalmente fazia. Lá, eu poderia simplesmente me sentar numa cadeira, sem ninguém para
atrapalhar a minha visão do show e sem ter de conversar. Desta vez, fiquei no bar e, quando a
mesma garota que me perguntou sobre a calça me agarrou pelo braço, me juntei a ela para
dançar no meio da pista, no bate-cabeça.
Nunca tinha participado de um bate-cabeça na minha vida. Nunca me interessei por correr
em círculos, bêbada, entre os caras grandões com roupas de couro que pisariam nos meus pés.
Mas naquela noite, me deixei envolver por tudo aquilo. Entendi qual era a sensação de dividir
a energia com a multidão e absorver a energia deles também. Entendi que quando você está
ali, as coisas acontecem naturalmente, e que não precisa caminhar ou dançar. Basta apenas se
deixar levar como se estivesse sendo sugada por um redemoinho.
Quando Adam terminou a apresentação, eu estava ofegante e suada, do mesmo jeito que ele.
Não fui para os bastidores cumprimentá-lo antes de todo mundo. Esperei que ele viesse até a
plateia para cumprimentar todos, do jeito que sempre fazia ao final de cada show. E, quando
ele apareceu, com uma toalha pendurada no pescoço e bebendo a goladas uma garrafa de água,
me atirei em seus braços e dei-lhe um beijão de língua, sem sentir vergonha, e na frente de
todos. Pude sentir que ele sorria enquanto me beijava.
— Uau! Parece que alguém aqui incorporou o espírito de Debbie Harry — disse ele,
limpando um pouco do batom que manchou o seu queixo.
— Acho que sim. E você? Está se sentindo meio Mozart?
— Tudo que sei sobre ele é o que vi no filme. Mas lembro que no filme ele estava excitado,
e, depois desse beijo, acho que estou também. Podemos ir? Vou arrumar as coisas e já vamos
embora.
— Não, vamos ficar aqui até o final.
— Sério?! — perguntou Adam com as sobrancelhas erguidas, surpreso.
— Sim. Acho até que posso ir para o bate-cabeça com você.
— Você bebeu? — ele brincou.
— Só refrigerante — respondi.
Dançamos, parando de vez em quando para um beijo, até o clube fechar.
A caminho de casa, Adam segurou a minha mão enquanto dirigia. Várias vezes ele virou para
me olhar e sorriu, sacudindo a cabeça.
— E então, você gosta de mim assim? — perguntei.
— Hummm...
— Isso significa sim, ou não?
— Claro que gosto de você.
— Não, não é isso. Quero saber se você gostou de mim assim, hoje à noite.
Adam se endireitou.
— Gostei que você entrou no espírito do show e não ficou reclamando pra gente ir embora
logo. E adorei dançar com você. E também gostei muito de ver o quanto você pareceu à
vontade em meio à ralé.
— Mas você gostou de mim assim? Gostou mais?
— Mais do quê? — perguntou. Adam pareceu extremamente surpreso.
— Mais do que o normal.
Agora, comecei a ficar irritada. Estava me sentindo tão solta naquela noite, como se aquela
fantasia tivesse me trazido uma nova personalidade, uma personalidade mais digna de Adam,
de minha família. Tentei explicar isso a ele, mas, para a minha decepção, notei que estava
quase chorando.
Adam perceber que eu estava magoada. Ele parou o carro no acostamento e se virou para
mim.—
Mia, Mia, Mia — disse ele, acariciando os fios rebeldes que escaparam da peruca. — É
de você que eu gosto. Você está, sem dúvida, mais sexy e, sabe, essa peruca loira é diferente e
tal. Mas a Mia que está aqui, nesta noite, é a mesma por quem me apaixonei ontem e a mesma
que vou amar amanhã. Amo esse seu jeito frágil e ao mesmo tempo durão, resguardado e ao
mesmo tempo despojado. Cara, você é a garota mais punk que já conheci, não importa quais
bandas você ouve nem o que você veste.
Depois disso, toda vez que eu começava a duvidar dos sentimentos de Adam, pensava na
peruca, que já estava começando a pegar poeira dentro do meu guarda-roupa, e ela me trazia a
lembrança daquela noite. E então eu não me sentia mais insegura. Sentia-me apenas uma garota
de muita sorte.

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