sexta-feira, 17 de outubro de 2014

19h13

Ele está aqui.
Andei perambulando pelo quarto vazio do hospital na ala da maternidade, com vontade de
me distanciar dos meus familiares e mais ainda da UTI e daquela enfermeira, ou, para ser mais
precisa, do que aquela enfermeira disse e do que eu entendi. Precisava estar em algum outro
lugar onde as pessoas não estariam tristes, onde a preocupação fosse a vida, não a morte.
Então vim para cá, para a terra da choradeira de bebês. Na verdade, o choro dos bebês é
reconfortante, pois mostra que já carregam consigo um espírito de luta.
Mas está tudo silencioso por aqui neste momento. Estou sentada próximo ao peitoril da
janela, observando a noite lá fora. Um carro canta pneu no estacionamento, arrancando-me do
meu devaneio. Olho para baixo no exato instante em que a luz das lanternas de um carro rosa
desaparece em meio à escuridão. Sarah, a namorada de Liz, que é a baterista da Shooting Star,
tem um Dodge Dart cor-de-rosa. Prendo a minha respiração, na esperança de que Adam
apareça. E lá está ele, subindo a rampa, abraçando a jaqueta de couro contra o corpo,
protegendo-se do frio daquela noite de inverno. Posso ver a corrente presa à carteira,
brilhando sob a luz dos refletores. Ele para e se vira para alguém que vem atrás dele. Vejo a
imagem delicada de uma mulher, surgindo em meio às sombras. A princípio, penso que deve
ser Liz. Mas então avisto a trança.
Queria poder abraçá-la. Agradecê-la por estar sempre um passo à frente do que eu preciso.
Claro que Kim procuraria Adam para contar-lhe pessoalmente a notícia, em vez de fazê-lo
pelo telefone. E é claro que ela o traria até aqui. Era Kim quem sabia que Adam estava
tocando num show na cidade. Era ela quem teria de dar um jeito de convencer a sua mãe a
trazê-la de carro para o centro. Kim, que a julgar pela ausência da sra. Schein, deve ter
convencido a mãe a voltar para casa e a deixá-la ficar com Adam e comigo. Lembro de
quando Kim teve de esperar dois meses pela permissão para voar de helicóptero com seu
próprio tio, então fico impressionada ao ver que ela conseguiu tamanha liberdade em poucas
horas. Kim que deve ter enfrentado seguranças assustadores e fãs malucos para poder
encontrar Adam. E Kim que também deve ter tido a coragem de dar a notícia a Adam.
Sei que isso pode parecer ridículo, mas fico feliz que não tenha sido eu. Acho que não
poderia suportar isso. Mas foi Kim quem teve de fazê-lo.
E agora, graças a ela, Adam finalmente está aqui.
Durante o dia todo fiquei imaginando a chegada de Adam e, nos meus devaneios, eu corria
para encontrá-lo mesmo que ele não possa me ver e mesmo que, pelo que posso dizer até
agora, isso não se parece nem um pouco com aquele filme Ghost, em que se pode atravessar o
corpo de quem você ama, fazendo a pessoa sentir a sua presença.
Mas agora que Adam está aqui, sinto-me paralisada. Estou com medo de encontrá-lo. De
olhar para ele. Vi Adam chorar duas vezes. Uma delas quando assistimos ao filme A
felicidade não se compra, e a outra quando estávamos numa estação de trem em Seattle e
vimos uma mãe berrando e batendo no filho, portador da Síndrome de Down. Adam ficou em
silêncio e só quando estávamos nos afastando é que pude ver as lágrimas escorrendo dos seus
olhos. E aquilo partiu meu coração. Muito. Se Adam estiver chorando agora, isso vai me levar
à morte. Pode esquecer aquele papo de que a escolha é minha. Vê-lo chorar seria o suficiente
para me matar.
Sou uma imprestável mesmo.
Olho para o relógio pendurado na parede. Já passa das sete horas. No final das contas,
parece que a Shooting Star não vai abrir o show da Bikini, o que é uma vergonha. Seria uma
oportunidade e tanto para eles. Por um instante, me pergunto se o resto do pessoal da banda
faria a abertura sem a presença de Adam. Mas duvido muito, não porque ele seja o vocalista e
o guitarrista do grupo, mas porque a banda tem esse tipo de código. A lealdade aos
sentimentos é considerada algo importante. No verão passado, quando a Liz e a Sarah
terminaram (o que acabou sendo por apenas um mês) e Liz estava distraída demais para tocar,
a banda cancelou todos os cinco shows previstos na agenda, mesmo que um cara chamado
Gordon, baterista de outra banda, tenha se oferecido para tocar no lugar dela.
Observo Adam a caminho da entrada principal do hospital, e Kim vindo logo atrás dele.
Bem antes de atravessar o toldo coberto e as portas automáticas, ele olha para cima, bem na
direção do céu. Adam está esperando por Kim, mas gosto de pensar que ele está procurando
por mim também. Seu rosto iluminado pelas luzes é inexpressivo, como se alguém tivesse lhe
sugado a personalidade, deixando-o apenas com uma máscara. Não se parece com o Adam.
Mas pelo menos, ele não está chorando.
E isso me dá coragem para ir até lá agora. Ou até onde estou, na UTI, que é o lugar para
onde sei que ele quer ir. Adam conhece meus avós e meus primos e imagino que ele vá se unir
à vigília noturna, mais tarde. Mas agora, neste momento, ele está aqui comigo.
De volta à UTI o tempo parece inerte como sempre. Um dos cirurgiões que cuidou de mim
mais cedo — aquele que transpira muito e que quando chegou a sua vez de escolher a música
pediu Weezer — está me examinando.
A iluminação é fraca e artificial e é mantida no mesmo nível de sempre, mas ainda assim, o
ritmo circadiano vence e o silêncio noturno toma conta do lugar. O ambiente é menos agitado
agora do que em comparação ao dia, como se as enfermeiras e as máquinas estivessem
cansadas e se mantivessem num modo de economia de energia.
Assim, quando a voz de Adam ecoa no corredor da UTI, todo mundo acordou.
— Como não posso entrar? — indaga ele.
Atravesso a UTI e paro bem do outro lado das portas automáticas. Ouço alguém do lado de
fora explicando a Adam que a entrada é proibida nesta área do hospital.
— Isso é um absurdo! — esbraveja Adam.
Dentro da área da UTI, todos os enfermeiros olham para a porta, com os olhos cansados,
porém atentos. Sei muito bem no que estão pensando: Será que já não temos trabalho demais
aqui dentro para ter de acalmar as pessoas malucas lá do lado de fora? Quero explicar-lhes
que o Adam não é nenhum maluco. Que ele nunca grita, exceto em ocasiões muito, muito
especiais.
A enfermeira rabugenta de meia-idade (a que não atende os pacientes, mas fica sentada ao
lado dos computadores, monitores e telefones) balança a cabeça ligeiramente e se levanta
como se estivesse aceitando uma designação que lhe fora atribuída. Ela ajeita sua calça
branca e caminha até a porta. Ela não é a melhor pessoa para falar com Adam. Não mesmo.
Gostaria de alertar-lhes de que seria melhor enviar a enfermeira Ramirez, aquela que
confortou os meus avós (e que me deixou em parafuso). Ela conseguiria acalmá-lo. Mas essa
outra só vai tornar as coisas piores. Eu a sigo pelas portas automáticas onde o Adam e a Kim
estão discutindo com um atendente do plantão. O atendente olha para a enfermeira.
— Eu disse a eles que não têm autorização para entrar — explica. A enfermeira o dispensa
com um gesto de mão.
— Posso ajudá-lo, meu jovem? — pergunta ela a Adam.
A voz da enfermeira soa tão irritante e impaciente quanto a de alguns colegas do meu pai,
que trabalham na escola e que, segundo meu pai, estão contando os dias para se aposentarem.
Adam pigarreia, na tentativa de se recompor.
— Gostaria de visitar uma paciente — ele diz, apontando para as portas que bloqueiam a
passagem para a UTI.
— Lamento dizer que isso não é possível — afirma a enfermeira.
— Mas a minha namorada... Mia, ela está...
— Ela está sendo muito bem cuidada — interrompe a mulher. Ela parece cansada, cansada
demais para ter empatia, cansada demais para se comover com o amor de um jovem.
— Sei disso e agradeço muito — diz Adam. Ele está se esforçando ao máximo para fazer o
jogo dela, para parecer maduro, mas sinto uma pontada de impaciência em sua voz quando ele
diz: — Eu realmente preciso muito vê-la.
— Sinto muito, meu jovem, mas as visitas estão restritas à família.
Ouço Adam ofegar. Família. A enfermeira não quis ser cruel. Ela apenas não tem ideia do
que está falando, mas Adam não tem consciência disso. Sinto a necessidade de protegê-lo e de
proteger a enfermeira do que pode vir a acontecer com ela. Estico o braço na direção dele,
por instinto, embora eu não consiga tocá-lo de fato. Mas Adam está de costas para mim, agora.
Seus ombros estão curvados e suas pernas começam a se dar por vencidas.
Kim, que estava circulando sem rumo pelo corredor, aparece de repente ao lado de Adam,
envolvendo o corpo dele que parece estar prestes a desabar. Com os braços ao redor da
cintura dele, ela se vira para a enfermeira com os olhos flamejantes, enfurecidos.
— A senhora não entende! — berra ela.
— Será que vou precisar chamar a segurança? — pergunta a enfermeira.
Adam balança a mão, rendendo-se à enfermeira, e sussurra para Kim:
— Não faça nada.
E Kim não faz. Sem dizer mais nada, ela coloca o braço dele ao redor do seu ombro e deixa
que Adam se apoie em seu corpo. Sei que ele é alto para a estatura de Kim, mas depois de
cambalear um pouco, ela se ajusta e consegue confortá-lo.


***

Kim e eu temos uma teoria de que quase tudo no mundo pode ser dividido em dois grupos.
Há pessoas que gostam de música clássica. Outras, de música pop. Há os que gostam da
cidade, e os que preferem o interior. Pessoas que gostam de Coca-Cola e as que preferem
Pepsi. Existem os conformistas e os liberais. Virgens e não virgens. E há garotas que têm
namorado no Ensino Médio e as que preferem não namorar.
Kim e eu sempre achamos que nós duas pertencíamos à última categoria.
— Não que a gente vá ser aquelas virgens de quarenta anos ou algo do tipo... — garantiu
Kim. — Só que vamos ser o tipo de garota que só começa a namorar na faculdade.
Isso sempre fez sentido para mim, e eu até preferia que fosse assim. Minha mãe foi o tipo
que namorava no colégio e dizia que queria não ter perdido tanto o tempo dela.
— Muitas vezes uma garota quer encher a cara com um licor Mickey, sair por aí aprontando
e dar uns amassos atrás de uma caminhonete. Para os meninos que namorei, isso era ter uma
noite romântica.
Papai, por outro lado, não namorou sério até chegar a faculdade. Ele era tímido no colégio,
mas aí começou a tocar bateria e o então calouro da faculdade começou a tocar numa banda
punk, e bum!, as namoradas começaram a aparecer. Ou pelo menos ele teve algumas até
conhecer minha mãe e bum!, casamento. Eu também pensei que as coisas aconteceriam assim
comigo.
Foi uma surpresa tanto para Kim quanto para mim quando me vi laçada pelo Grupo A, o das
garotas que namoram. No começo, tentei esconder. Quando cheguei em casa depois do
concerto do Yo-Yo Ma, contei a Kim apenas alguns detalhes. Não contei sobre o beijo, mas
foi uma omissão racional: não havia motivo de alarde por causa de um simples beijo. E um
beijo não é um relacionamento. Eu já tinha beijado outros garotos, e geralmente, no dia
seguinte, o beijo se evaporava feito uma gota de orvalho no sol.
Mas eu sabia que com o Adam a coisa era diferente. Sabia pelo jeito como aquela onda de
calor invadiu o meu corpo inteiro naquela noite, depois que ele me deixou em casa e me
beijou de novo. E sabia pela forma como fiquei acordada até altas horas da madrugada,
abraçando meu travesseiro. Pelo modo como não consegui comer no dia seguinte, nem tirar o
sorriso no meu rosto. Aquele beijo tinha sido uma porta que eu atravessei. E sabia que tinha
deixado Kim do outro lado.
Depois de uma semana, e mais alguns beijos roubados, pressentia que tinha chegado a hora
de contar a Kim. Fomos a uma cafeteria depois da escola. Era o mês de maio, mas não parava
de chover, como se fosse novembro. Senti-me ligeiramente sufocada pelo que eu tinha de
fazer.
— Pode deixar que eu faço o pedido. Você vai querer uma daquelas suas bebidas cheias de
frescuras? — perguntei. Isso era mais duas das categorias que tínhamos definido: a das
pessoas que tomam um café simples e a daquelas que tomavam drinks à base de cafeína, com
misturas e firulas, como o café com leite com uma pitada de menta de que Kim tanto gostava.
— Acho que vou experimentar o chá com leite e canela — diz ela, olhando-me de um jeito
firme como se quisesse dizer: “Não tenho a menor vergonha das bebidas que escolho”.
Pedi as nossas bebidas, um pedaço de torta de amora e dois garfos. Sentei de frente para
Kim, e fiquei passando o garfo sobre a borda crocante e espessa da massa.
— Preciso te contar uma coisa — anunciei.
— Uma coisa sobre um namorado? — A voz de Kim soou agradável, mas mesmo que eu
estivesse olhando para baixo, posso dizer que ela tinha revirado os olhos quando falou aquilo.
— Como você sabe? — perguntei, erguendo a cabeça e olhando para ela.
Ela revirou os olhos de novo.
— Ah, corta essa! Todo mundo já sabe. É a fofoca mais quente desde que Melanie Farrow
abandonou o colégio pra ter um bebê. É como ver um candidato à presidência de um Partido
Democrata se casando com uma candidata do Partido Republicano.
— Quem aqui falou em casamento?
— Foi só uma metáfora — respondeu Kim. — Enfim, eu já sabia. Sabia antes mesmo que
você soubesse.
— Ah, mentira!
— Ora, fala sério! Um cara como Adam indo a um concerto do Yo-Yo Ma. É claro que ele
queria conquistar você.
— Não é bem assim — falei, embora soubesse, claro, que tudo tinha sido exatamente assim.
— Só não sei por que você não me contou antes — acrescentou ela com a voz calma.
Eu estava prestes a começar aquele meu discurso ensaiado do “um beijo não significa um
relacionamento” e explicar que eu não queria me precipitar e alardear nada, mas me contive.
— Tive medo de que você fosse ficar brava comigo — admiti.
— Não fiquei — afirmou ela. — Mas vou ficar se você alguma vez mentir pra mim de
novo.
— Ok.
— Ou se você virar uma daquelas namoradas que fica o tempo todo grudada no namorado,
falando sempre na primeira pessoa do plural: “Nós amamos o inverno. Nós achamos o Velvet
Underground uma banda influente...”
— Você sabe que eu jamais conversaria sobre rock com você. Nem na primeira pessoa do
plural, nem na do singular. Prometo.
— Muito bem — lançou Kim. — Porque se você se transformar numa dessas garotas, eu te
mato.
— Se eu me transformar numa dessas garotas, pode deixar que eu mesma entrego uma arma
pra você me matar.
Kim soltou uma gargalhada diante daquela ideia o que quebrou o gelo entre nós. Em
seguida, ela enfiou uma fatia da torta na boca.
— E seus pais, o que acharam?
— Papai passou por todas aquelas fases do luto: negação, raiva, aceitação e sei lá mais o
quê, tudo em apenas um dia. Acho que ele está meio assustado em ver que está ficando velho
porque a filha já arranjou um namorado. — Fiz uma pausa e tomei um gole do meu café,
deixando a palavra namorado solta no ar. — E ele diz que não consegue acreditar que eu
esteja namorando um músico.
— Mas você é uma musicista também — aponta Kim.
— Sim, mas digo um músico punk.
— A Shooting Star está mais pra música emo do que pra punk — corrige Kim. —
Diferentemente de mim, ela é do tipo que se preocupa com a distinção entre a música pop:
punk, indie, alternativo, hardcore e emo.
— Acho que esse negócio do meu pai usar gravata-borboleta é em parte só uma modinha. E
acho que ele gostou do Adam, os dois se conheceram quando Adam foi me buscar para irmos
ao concerto. Agora papai quer que eu o convide pra jantar com a gente, mas só tem uma
semana que estamos juntos. Ainda não me sinto preparada para esse momento.
— Acho que eu nunca vou estar preparada para isso — disse Kim, dando de ombros. — E
como foi com a sua mãe?
— Ela se ofereceu pra ir comigo ao ginecologista para eu começar a tomar pílula. Também
me disse pra pedir a Adam que faça todos os exames para saber se ele tem alguma doença.
Depois, ela mandou que eu comprasse camisinha e até me deu dez dólares para eu começar a
comprar.
— E você comprou? — arquejou Kim.
— Não, só tem uma semana que estamos juntos. Nessa categoria, eu e você continuamos no
mesmo grupo.
— Por enquanto — acrescentou Kim.
Em mais uma das categorias que Kim e eu definimos estavam as pessoas que se esforçavam
para ser legais e as que nem sequer tentavam. Nesse grupo, considero que Adam, Kim e eu
estávamos na mesma coluna, porque mesmo que Adam seja legal, ele não precisa se esforçar
para isso, é uma característica natural dele. Então, a minha expectativa era que nós três nos
tornássemos grandes amigos. Esperava que Adam amasse todas as pessoas que eu amava e do
mesmo jeito que eu.
E assim aconteceu com a minha família. Ele praticamente se tornou o terceiro filho dos
meus pais. Mas com Kim as coisas foram um pouco diferentes. Adam a tratou da mesma
maneira que sempre imaginei que ele trataria uma garota como eu. Até era legal com ela —
educado, agradável, porém distante. Não tentou entrar no mundo de Kim e tampouco ganhar a
confiança dela. Suspeitei que ele achava que ela não era uma pessoa muito legal, e isso fez
com que eu me sentisse mal. Depois de três meses de namoro, tivemos uma briga feia por
causa disso.
— A Kim não é minha namorada. Minha namorada é você — defendeu-se ele, depois que o
acusei de não ser uma pessoa muito legal com ela.
— E daí? Você tem um monte de amigas. Por que não pode ser amigo dela também?
Adam deu de ombros.
— Não sei. Só acho que não vou muito na dela.
— Você é um esnobe! — exclamei, me sentindo furiosa.
Adam me olhou com as sobrancelhas franzidas, como se eu fosse algum problema de
matemática e ele estivesse tentando me resolver.
— Como é que eu posso ser esnobe? Não se pode forçar uma amizade. O que acontece é
que eu e ela não temos muita coisa em comum.
— É por isso que você é um esnobe! Você só gosta de pessoas como você — gritei. Em
seguida, saí correndo, esperando que ele viesse atrás de mim, que me pedisse perdão e, como
ele não fez nada disso, minha raiva ficou duas vezes maior. Peguei a minha bicicleta e fui até a
casa de Kim para desabafar. Ela escutou todo o meu desabafo com uma expressão
propositadamente entediada.
— É simplesmente ridículo esse negócio de que ele só gosta de pessoas iguais a ele —
esbravejou ela quando terminei de descarregar as minhas lamúrias. — Ele gosta de você e
você não é igual a ele.
— É este o problema — murmurei.
— Bem, então aprenda a lidar com isso. Não me arraste para o seu problema — disse ela.
— Além disso, eu também não vou muito com a dele.
— Não?
— Não, Mia. Não é todo mundo que morre de amores pelo Adam.
— Eu não quis dizer isso. Eu só queria que vocês dois fossem amigos.
— Bem, eu queria morar em Nova York e ter pais normais. Mas é como dizem por aí: “Não
se pode ter tudo o que se quer”.
— Mas vocês dois são as pessoas mais importantes da minha vida.
Kim olhou para o meu rosto vermelho e choroso e sua expressão se suavizou, esboçando um
sorriso gentil.
— Sabemos disso, Mia. Mas Adam e eu pertencemos a partes diferentes da sua vida, assim
como a música e eu somos partes diferentes da sua vida. E isso é bom. Você não precisa
escolher entre um ou outro, pelo menos não por mim.
— Mas quero que essas partes da minha vida sejam uma coisa só.
Kim balançou a cabeça.
— As coisas não funcionam assim. Olhe, eu aceito o Adam porque você o ama. E presumo
que ele me aceite porque você me ama. Se isso faz você se sentir melhor, pense que o seu
amor é o que nos une e isso basta. Adam e eu não precisamos gostar um do outro.
— Mas eu queria que vocês se gostassem — choraminguei.
— Mia — disse Kim com uma pontinha de advertência em sua voz, um sinal de que a sua
paciência estava se esgotando. — Você está começando a agir como uma daquelas garotas.
Será que vai mesmo precisar arranjar aquela arma para mim?
Mais tarde, naquela mesma noite, parei na casa do Adam para me desculpar. Ele aceitou o
meu pedido de desculpas com um beijo no meu nariz. E depois disso nada mudou. Kim e ele
continuaram sendo cordiais um com outro, porém distantes, por mais que eu me esforçasse
para uni-los. O engraçado é que, para dizer a verdade, nunca engoli muito aquela ideia de Kim
de que os dois estavam unidos, de certa forma, por minha causa — até que chegou este
momento em que vejo Kim tentando amparar Adam, carregando-o pelo corredor do hospital.

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