sábado, 18 de outubro de 2014

7- John Faa

    Agora que tinha uma missão pela frente, Lyra sentia-se muito melhor. Ajudar
a Sra. Coulter tinha sido muito bom, mas Pantalaimon tinha razão: ela não estava
trabalhando de verdade, era apenas um bichinho de estimação. No barco gípcio,
havia trabalho de verdade a fazer, e a Mãe Costa fazia com que ela trabalhasse:
Lyra limpava e varria, descascava batatas e fazia chá, lubrificava os
rolamentos do eixo da hélice, mantinha limpa a grade protetora em cima da hélice,
lavava pratos, abria comportas, amarrava o barco nos trapiches, e em poucos dias
sentia-se tão à vontade nessa vida nova como se tivesse nascido gípcia.
     O que ela não percebia era que os Costa estavam o tempo todo alertas,
observando se havia sinais de interesse em Lyra por parte de pessoas das
margens. Embora não tivesse consciência disso, ela era importante, e a Sra. Coulter e
o Conselho de Oblação certamente estariam procurando por ela em toda parte.
    Realmente, Tony ouviu, nas fofocas dos bares ao longo do caminho, que a polícia
estava revistando casas, fazendas, canteiros de obras e fábricas sem qualquer
explicação, embora houvesse um boato de que estavam procurando uma menina
sumida. E isso era estranho, levando-se em conta que tantas crianças tinham sumido
sem terem sido procuradas. Tanto os gípcios quanto as pessoas de terra estavam
ficando cada vez mais nervosos e apreensivos.
    E havia outra razão para o interesse dos Costa em Lyra, mas ela só saberia disso
alguns dias depois.
    Assim, mantinham a menina na cabine sempre que passavam pela casa de um
guardador de comporta ou por um porto de canal, ou onde quer que pudesse haver
gente. Uma vez passaram por uma cidade onde a polícia estava revistando todos os
barcos que vinham pelo canal, prendendo o trânsito em ambas as direções. Mas os
Costa sabiam como enfrentar esse tipo de coisa: havia um compartimento secreto
debaixo da cama de Mãe Costa, onde Lyra ficou apertada durante duas horas,
enquanto a polícia percorria o barco de uma ponta a outra, inutilmente.
– Mas por que os daemons deles não me encontraram? – ela perguntou depois.
Mamãe mostrou-lhe o forro do esconderijo: cedro, que tinha um efeito soporífero
nos daemons; e era verdade, pois Pantalaimon tinha passado o tempo todo dormindo
tranqüilamente junto à cabeça de Lyra.
     Lentamente, com muitas paradas e muitos desvios, o barco dos Costa
aproximava-se dos Pântanos, aquela vasta extensão nunca inteiramente desbravada,
com céus imensos e pântanos infindáveis, na Anglia oriental. A borda do terreno
misturava-se aos riachos e lagoas de maré do mar raso, e o outro lado do mar
misturava-se com a Holanda; e partes dos Pântanos tinham sido drenadas e fechadas
com diques pelos holandeses, alguns dos quais haviam se estabelecido lá; de modo
que a língua nos Pântanos tinha muita influência holandesa. Mas algumas áreas não
foram drenadas, plantadas ou desbravadas, e nas regiões centrais – as mais
selvagens, onde enguias deslizavam e pássaros aquáticos se reuniam, onde sinistros
fogos-fátuos tremeluziam e criaturas atraíam os viajantes descuidados para a morte
nos pântanos – o povo gípcio sempre encontrara segurança.
      E agora, através de mil canais, regatos e cursos d'água serpenteantes, barcos
gípcios seguiam para o Byanplats, a única área de terreno ligeiramente mais alto em
meio às centenas de quilômetros quadrados de pântanos e atoleiros. Havia lá uma
espécie de auditório num pavilhão antigo, feito de madeira, com algumas moradias
permanentes em volta, trapiches e atracadouros e um Mercado de Enguias. Quando
um Encontro era marcado, quando havia uma convocação de gípcios, tantos barcos
enchiam os cursos d'água que uma pessoa podia caminhar mais de um quilômetro em
qualquer direção passando de um barco a outro era o que se dizia. Os gípcios
mandavam nos Pântanos; ninguém mais ousava entrar lá, e, como os gípcios
mantinham a paz e comerciavam com honestidade, as autoridades faziam vista grossa
ao contrabando incessante e às rixas ocasionais. Se o cadáver de um gípcio aparecia
numa praia levado pela maré, ou vinha numa rede de pesca, bem, era só um gípcio.
Lyra escutava fascinada as histórias dos habitantes dos Pântanos, do grande
cão- fantasma Concha Negra, dos fogos-fátuos subindo das bolhas de óleo-de-bruxa, e
mesmo antes de chegarem aos Pântanos ela já começava a se sentir uma gípcia.
Logo voltou a ter o sotaque de Oxford, e agora estava pegando o sotaque gípcio,
completo com algumas palavras em pântano-holandês. Mãe Costa teve que lhe
recordar algumas coisas:
– Você não é gípcia, Lyra. Com alguma prática poderia passar por gípcia, mas
não é só a língua gípcia; dentro de nós há coisas muito fortes. Nós somos totalmente
um povo da água, e você não é, você é do fogo. O que mais parece com você é o
fogo- fátuo, é o lugar que você tem no esquema gípcio; você tem óleo-de-bruxa na
alma. Enganadora é o que você é, criança.
Lyra ficou magoada.
– Nunca enganei ninguém! A senhora pergunte...
Não havia a quem perguntar, naturalmente, e Mãe Costa riu, mas com bondade.
– Não está vendo que estou lhe fazendo um elogio, sua bobinha?
Ouvindo isto, Lyra acalmou-se, embora não tivesse entendido.
Chegaram ao Byanplats à tardinha, e o sol estava prestes a se pôr num céu
manchado de vermelho. A ilha baixa e o Zaal estavam acocorados de encontro à luz,
como o amontoado de prédios em volta; fios de fumaça erguiam-se no ar parado, e
dos numerosos barcos apinhados em volta deles vinham cheiros de peixe fritando, de
folha de fumo, de genebra.
Atracaram perto do Zaal, num trapiche que Tony disse ter sido usado por várias
gerações da sua família. Mãe Costa pôs a frigideira para funcionar, com duas gordas
enguias sibilando e espirrando gordura, e ferveu água para preparar o purê de batata
em pó. Tony e Kerim passaram óleo nos cabelos, colocaram suas melhores jaquetas
de couro e lenços azuis no pescoço, encheram os dedos de anéis de prata e foram
cumprimentar alguns velhos amigos nos barcos vizinhos e beber uma ou duas taças no
bar mais próximo. Voltaram com novidades importantes.
– Chegamos bem na hora. O Encontro vai ser esta noite mesmo. E estão dizendo
na cidade, imaginem só, estão dizendo que a criança desaparecida está num barco
gípcio e que vai aparecer esta noite no Encontro!
Ele riu alto e despenteou os cabelos de Lyra. Desde que tinham entrado nos
Pântanos, ele vinha ficando cada vez mais bem-humorado, como se a expressão feroz
que seu rosto mostrava fosse apenas um disfarce. E Lyra sentiu a excitação crescer
em seu peito enquanto comia às pressas e lavava a louça antes de pentear os cabelos,
enfiando o aletômetro dentro do bolso do casaco de pele de lobo e saltando para terra
com todas as outras famílias que subiam a ladeira para o Zaal.
Ela achava que Tony estava brincando. Logo descobriu que ele não estava, ou
então ela se parecia menos com uma gípcia do que havia imaginado, pois muita gente
ficou olhando para ela, e as crianças apontavam; quando chegaram aos grandes
portões do Zaal, estavam caminhando sozinhos, a cada lado uma multidão de pessoas
que se afastaram deles para poderem observá-los e para dar-lhes espaço.
Então Lyra começou a ficar nervosa de verdade. Não saiu de perto de Mãe
Costa, e para tranqüilizá-la Pantalaimon tomou sua forma de pantera, a maior que
conseguia tomar. Mãe Costa subiu os degraus como se nada no mundo pudesse
obrigá-la a parar ou a andar mais depressa, e Tony e Kerim caminhavam
orgulhosamente, como príncipes, um de cada lado.
O auditório estava iluminado por lamparinas de nafta, que iluminavam
satisfatoriamente os rostos e os corpos dos presentes, mas deixavam as imensas
traves do telhado ocultas na escuridão.
As pessoas que entravam tinham que se esforçar para encontrar lugar em pé,
pois os bancos já estavam lotados; mas as famílias se apertavam para abrir espaço,
as crianças iam para o colo e os daemons se enrodilhavam no chão debaixo dos
bancos ou se empoleiravam fora do caminho, nas ásperas paredes de madeira.
Na frente da assistência, havia um tablado com oito cadeiras de madeira
entalhada. Enquanto Lyra e os Costa encontravam lugar de pé ao longo da parede do
auditório (não havia mais onde se sentar), oito homens surgiram das sombras atrás do
tablado e pararam diante das cadeiras. Uma onda de excitação percorreu a platéia
enquanto as pessoas pediam silêncio ou tentavam se sentar nas extremidades dos
bancos próximos. Finalmente fez-se silêncio e sete dos homens no tablado se
sentaram.
O único que ficou de pé tinha mais de 70 anos, mas era alto e forte, musculoso.
Usava paletó de lonita e camisa quadriculada, como muitos gípcios; nada havia nele
que o distinguisse, além do ar de poder e autoridade. Lyra reconheceu esse ar: tio
Asriel o tinha, e também o Reitor da Jordan. O daemon desse homem era uma gralha
muito parecida com o corvo-fêmea do Reitor.
– Este é John Faa, o chefe dos gípcios do Oriente –Tony cochichou.
John Faa começou a falar devagar, em voz profunda.
– Gípcios! Bem-vindos ao Encontro. Viemos escutar e viemos decidir. Todos
vocês sabem a razão: há muitas famílias aqui que perderam um filho. Algumas
perderam dois. Alguém está levando essas crianças. É verdade que os da terra
também estão perdendo crianças. Sobre este assunto não temos rixa com os da terra.
Fez uma pausa e continuou:
– Ora, andam falando de uma criança e uma recompensa. Eis a verdade, para
acabar com os mexericos: o nome da criança é Lyra Belacqua, e ela está sendo
procurada pela polícia dos andarilhos{13}. Há uma recompensa de mil soberanos para
quem entregar a garota. Ela é uma criança andarilha, está sob os nossos cuidados e
assim vai continuar. Qualquer pessoa que se sentir tentada por esses mil soberanos é
melhor que vá encontrar um lugar para se esconder que não seja nem na terra, nem na
água. Não vamos entregar a criança.
Lyra sentiu-se enrubescer desde a raiz dos cabelos até a sola do pé; Pantalaimon
transformou-se em mariposa para se esconder. Todos os olhos estavam voltados para
eles, e ela só conseguiu olhar para Mãe Costa em busca de segurança.
Mas John Faa estava falando novamente:
– Por mais que a gente converse, não vai mudar nada. Se quisermos modificar as
coisas, vamos ter que agir. Eis mais um fato para vocês: os Papões, esses ladrões de
crianças, estão levando seus prisioneiros para uma cidade no extremo Norte, bem lá
dentro da terra das trevas. Não sei o que fazem com elas lá. Algumas pessoas dizem
que matam, outras dizem outra coisa. Não sabemos. O que sabemos é que eles fazem
isso com a ajuda da polícia andarilha e dos padres. Todos os poderes dos andarilhos
estão ajudando. Lembrem-se disso: eles sabem o que está acontecendo e ajudam
sempre que podem.
Depois de outra pausa, ele continuou:
– De modo que o que estou propondo não é fácil. Preciso da autorização de
vocês. Estou propondo que a gente mande um bando de guerreiros para o Norte para
libertar as crianças e trazer todas de volta vivas. Estou propondo que a gente use o
nosso ouro e toda a esperteza e a coragem que conseguirmos juntar. Sim, Raymond
van Gerrit?
Um homem na platéia havia levantado a mão, e John Faa sentou-se para deixá-lo
falar.
– Com licença, Lorde Faa. Lá tem crianças andarilhas também, além das gípcias.
Está dizendo que a gente vai salvar essas também?
John Faa ficou de pé para responder.
– Raymond, você está dizendo que a gente devia passar por todo tipo de perigos
para chegar a um grupinho de crianças assustadas e então dizer para algumas delas
que elas vão voltar para casa e dizer para as outras que elas têm que ficar? Não, você
é bondoso demais para isso. Bem, temos a aprovação de todos, meus amigos?
A pergunta pegou todos de surpresa, pois houve um instante de hesitação; mas
então um rugido encheu o salão, e as pessoas puseram-se a bater palmas de braços
estendidos, sacudir o punho fechado, erguer a voz num clamor excitado. As traves do
Zaal estremeceram, e de seus poleiros lá em cima na escuridão um bando de pássaros
que dormiam despertaram apavorados e bateram asas, provocando pequena
precipitação de poeira.
John Faa deixou o clamor prosseguir por um minuto, depois ergueu a mão
pedindo silêncio.
– Vai levar algum tempo para organizar isso tudo. Quero que os chefes das
famílias façam uma coleta e reúnam homens. Tornaremos a nos reunir daqui a três
dias. Enquanto isso, vou conversar com a criança e com Farder Coram, e fazer um
plano para expor a vocês. Boa noite para todos.
Sua presença forte, simples e imponente teve o poder de acalmar a multidão. As
pessoas começaram a sair pelos grandes portões para o frio da noite, voltando para
seus barcos ou indo encher os bares do pequeno povoado. Lyra perguntou a Mãe
Costa: –Quem são os outros homens no tablado?
– Os chefes das seis famílias, e o outro homem é Farder Coram.
Era fácil entender o que ela queria dizer com "o outro homem", porque ele era o
mais idoso ali. Caminhava com uma bengala e durante todo o tempo em que estivera
sentado atrás de John Faa ele tremera como se tivesse febre.
– Venha, é melhor levar você para cumprimentar John Faa. Você deve chamá-lo
de Lorde Faa. Não sei o que ele vai perguntar, mas trate de dizer a verdade.
Pantalaimon era um pardal agora, cheio de curiosidade, empoleirado no ombro de
Lyra, as garras cravadas no casaco de pele de lobo, enquanto ela acompanhava Tony
através da multidão até o tablado.
Ali chegando, Tony ergueu-a do chão e colocou-a em cima do tablado. Sabendo
que todos ainda no salão estavam olhando para ela, e consciente daqueles mil
soberanos que de repente ela passara a valer, Lyra ficou vermelha e hesitou.
Pantalaimon saltou para o colo dela e transformou-se num gato-do-mato, sibilando
baixinho enquanto olhava em volta com expressão vigilante.
Lyra sentiu um empurrão e caminhou na direção de John Faa. Ele era sério,
enorme, inexpressivo, mais como uma coluna de pedra do que um homem, mas
inclinou-se e estendeu a mão para ela apertar. Quando ela colocou a mão na dele, sua
mãozinha quase desapareceu.
– Seja bem-vinda, Lyra – disse ele.
De perto ela sentia a voz dele ressoar como a própria terra.
Teria ficado amedrontada se não fosse por Pantalaimon, e pelo fato de que a
expressão pétrea de John Faa tinha se amenizado um pouco. Ele estava sendo
delicado com ela.
– Obrigada, Lorde Faa – ela respondeu.
– Agora venha ao escritório e vamos ter uma conversa - disse John Faa. – Estão
alimentando você direito, os Costa?
– Ah, estão, sim. Comemos enguias no jantar.
– As verdadeiras enguias dos Pântanos, eu espero.
O escritório era um aposento confortável, com uma grande lareira acesa,
prateleiras carregadas de prata e porcelana e uma mesa pesada escurecida pelos
anos, tendo em volta doze cadeiras.
Os outros homens no tablado não estavam ali, mas o ancião trêmulo estava. John
Faa ajudou-o a sentar-se.
– Agora você se sente aqui à minha direita – John Faa disse a Lyra.
Ele sentou-se à cabeceira, e Lyra encontrou-se em frente a Farder Coram. Sentia
um pouco de medo do rosto encaveirado e do tremor contínuo dele. O daemon dele
era uma linda gata com as cores do outono, enorme, que atravessou a mesa com
andar elegante, de cauda erguida, e examinou Pantalaimon, encostando o focinho no
dele antes de acomodar-se no colo de Farder Coram, entrecerrar os olhos, e pôr-se a
ronronar baixinho.
Uma mulher que Lyra não tinha notado saiu das sombras com uma bandeja cheia
de copos, colocou-a junto à John Faa, fez uma mesura e saiu. John Faa serviu
pequenos cálices de aguardente de cereais de um frasco de pedra para si mesmo e
para Farder Coram, e vinho para Lyra.
– Quer dizer, Lyra, que você fugiu – disse John Faa.
– Foi.
– E quem era a dama de quem você fugiu?
– O nome dela é Sra. Coulter. E eu achava que ela era boa, mas descobri que ela
é dos Papões. Ouvi alguém dizendo o que os Papões eram, eles eram chamados de
Conselho Geral de Oblação, e ela estava encarregada de tudo, era tudo idéia dela. E
todos eles estavam planejando uma coisa, sei lá o que era, só sei que iam me fazer
ajudar a pegar as crianças para ela. Mas eles não sabiam...
– O que eles não sabiam?
– Bom, primeiro não sabiam que eu conhecia umas crianças que eles roubaram.
Meu amigo Roger que era ajudante da Cozinha da Jordan, e Billy Costa, e uma menina
do Mercado Coberto em Oxford. E outra coisa... o meu tio, sabe, o Lorde Asriel, eu
ouvi quando falaram das viagens dele para o Norte, e não acho que ele tenha alguma
coisa a ver com os Papões. Porque eu espionei o Reitor e os Catedráticos da Jordan,
sabe, me escondi na Sala Privativa onde ninguém pode entrar além deles, e ouvi
quando ele contou a todos sobre a expedição para o Norte, e o Pó que ele viu, e ele
trouxe de volta a cabeça de Stanislaus Grumman, os tártaros tinham feito um buraco
nela. E agora os Papões prenderam ele em algum lugar. Os ursos de armadura estão
vigiando ele. E eu quero ir salvar ele.
Ali sentada, pequenina contra o encosto alto da cadeira entalhada, ela parecia
feroz e decidida. Os dois anciãos não conseguiram reprimir um sorriso, mas, enquanto
o sorriso de Farder Coram era uma expressão hesitante, rica e complicada que
tremulou pelo seu rosto como um raio de sol perseguindo sombras num dia ventoso de
final de inverno, o sorriso de John Faa era lento, cálido, simples e bondoso.
– É melhor você nos contar o que ouviu seu tio dizer naquela noite – pediu John
Faa. – Não deixe nada de fora, está ouvindo? Conte-nos tudo.
Lyra assim fez, mais devagar do que tinha contado aos Costa, porém com mais
franqueza; tinha medo de John Faa, e o que mais temia nele era a bondade: Quando
ela terminou, Farder Coram falou pela primeira vez. Tinha a voz rica e musical, com
tantos tons quanto eram as cores do pêlo de seu daemon.
– Esse Pó, eles alguma vez usaram outro nome para ele, Lyra?
– Não, só Pó. A Sra. Coulter me contou o que era, partículas elementares, foi o
que ela falou.
– E eles acham que fazendo alguma coisa com crianças eles vão conseguir
descobrir mais sobre isso?
– É. Mas não sei o que é. Embora o meu tio... Esqueci de contar uma coisa.
Quando ele estava mostrando os fotogramas, ele tinha um outro. Era a Orora...
– Era o quê? – interrompeu John Faa.
– A Aurora Boreal – disse Farder Coram. – Não é isso, Lyra?
– É isso aí. E nas luzes da tal Orora tinha feito uma cidade. Cheia de torres e
igrejas e cúpulas e tal. Era um pouco como Oxford, pelo menos eu achei. E o tio Asriel,
ele estava mais interessado nisso, eu acho, mas o Reitor e os outros Catedráticos
estavam mais interessados no Pó, como a Sra. Coulter e o Lorde Boreal e eles.
– Entendo – disse Farder Coram. – Isso é muito interessante.
– Agora, Lyra, eu vou lhe contar uma coisa – disse John Faa. – Farder Coram, ele
é um mago. Um vidente. Ele vem acompanhando tudo que está acontecendo com o Pó
e os Papões e Lorde Asriel e tudo, e ele vem acompanhando você. Toda vez que os
Costa iam para Oxford, ou meia-dúzia de outras famílias também, eles traziam algumas
notícias. Sobre você, menina. Sabia disso?
Lyra sacudiu a cabeça. Estava começando a ficar assustada. Pantalaimon estava
rosnando baixo demais para alguém ouvir, mas ela sentia o rosnado dele nas pontas
dos dedos enfiados nos pêlos dele.
– Ah, sim, tudo que você fazia vinha parar aqui nos ouvidos de Farder Coram.
Lyra não conseguiu se controlar:
– Nós não estragamos nada! Juro! Foi só um pouquinho de lama! E não fomos
muito longe...
– De que é que está falando, menina? – perguntou John Faa.
Farder Coram riu. Quando ria, seu tremor cessava e seu rosto ficava jovem e
brilhante.
Mas Lyra não estava rindo. Com lábios trêmulos ela disse:
– E mesmo se a gente tivesse encontrado a rolha, não íamos retirar ela! Era só
uma brincadeira. Não íamos afundar o barco, nunca!
Então John Faa pôs-se a rir também. Deu um tapa tão forte na mesa que os
copos tilintaram, e seus ombros enormes estremeceram, e ele teve que enxugar as
lágrimas dos olhos. Lyra nunca vira uma coisa como aquela, nunca ouvira uma
gargalhada assim; era como uma montanha gargalhando.
–É, sim – ele disse, quando conseguiu falar. –Nós ouvimos essa história também,
garotinha! Eu soube que depois disso os Costa não vão a lugar nenhum sem que
escutem piadinhas. É melhor deixar um vigia no seu barco, Tony, dizem. Temos
criancinhas ferozes por aqui! Ora, esse caso se espalhou por toda parte nos Pântanos,
garota. Mas não vamos castigar você por isso. Não, não! Fique tranqüila.
Ele olhou para Farder Coram, e os dois tornaram a rir, porém com menos
estardalhaço. E Lyra sentiu-se bem e segura.
Finalmente John Faa sacudiu a cabeça e ficou de novo sério.
– Eu estava dizendo, Lyra, que conhecemos você desde pequena. Desde bebê.
Você devia saber o que nós sabemos. Não posso imaginar o que eles lhe contaram na
Faculdade Jordan sobre de onde você veio, mas eles não conhecem toda a verdade.
Alguma vez lhe contaram quem eram os seus pais?
Agora Lyra estava inteiramente atordoada.
– Contaram, sim – respondeu. – Disseram que eu era...disseram que eles...
disseram que Lorde Asriel me levou para lá quando meu pai e minha mãe morreram
num acidente de aeronave. Foi o que me disseram.
–Ah, foi? Bem, menina, vou lhe contar uma história, mas uma história real. Sei que
é real porque uma gípcia me contou, e todos eles dizem a verdade a John Faa e
Farder Coram. De modo que é a verdade sobre você, Lyra. Seu pai não morreu num
acidente de aeronave, porque seu pai é Lorde Asriel.
Lyra estava pasma. John Faa prosseguiu:
– Foi assim que aconteceu: quando era rapaz, Lorde Asriel saiu explorando todo o
Norte e voltou com uma grande fortuna. E era um homem temperamental, que se
zangava facilmente, um homem apaixonado. E sua mãe, ela também era apaixonada.
Não tão bem- nascida quanto ele, mas uma mulher inteligente. Estudiosa, e aqueles
que a viam diziam que era muito bonita. Ela e seu pai se apaixonaram assim que se
conheceram. O problema era que sua mãe já era casada. Tinha se casado com um
político. Ele era membro do partido do Rei, um de seus assessores mais próximos. Um
homem em ascensão.
Houve um silêncio breve, e John Faa continuou:
– Ora, quando sua mãe descobriu que estava grávida, teve medo de contar ao
marido que a criança não era dele. E quando você nasceu, não era nada parecida com
o marido dela, e sim com o seu pai verdadeiro, e ela achou melhor esconder você e
dizer que o bebê havia morrido. Então levaram você para Oxfordshire, onde o seu pai
tinha propriedades, e a entregaram para uma mulher gípcia criar. Mas alguém contou
tudo ao marido da sua mãe, e ele veio voando e destruiu a cabana onde a gípcia
estivera, só que ela havia fugido para a casa grande; e o marido enganado foi atrás,
com intenções assassinas. Seu pai estava caçando, mas ficou sabendo e voltou a
galope a tempo de encontrar o marido da sua mãe ao pé da escada; mais um minuto e
ele teria forçado a porta do armário onde a gípcia estava escondida com você, mas
Lorde Asriel o desafiou e eles duelaram ali mesmo, e Lorde Asriel o matou. A mulher
gípcia ouviu e viu tudo, Lyra, e foi assim que soubemos.
John Faa suspirou e prosseguiu:
– A conseqüência foi um enorme processo judicial. Seu pai não é o tipo de homem
de esconder ou negar a verdade, e isso criou um problema para os juizes. Ele tinha
matado, sim, derramara sangue, mas estava defendendo seu lar e sua filha de um
invasor. Por outro lado, a lei permite que um homem vingue a violação do seu
casamento, e os advogados do morto alegaram que era isso que ele estava fazendo. O
processo se arrastou durante semanas, com horas de discussão. No fim, os juizes
puniram Lorde Asriel confiscando todas as propriedades e as terras dele, deixando-o
pobre; e ele tinha sido mais rico que um rei. Quanto à sua mãe, ela não quis saber de
nada, nem de você. Deu as costas a tudo isso. A gípcia me disse que muitas vezes ela
teve medo pensando em como a sua mãe ia tratar você, porque era uma mulher
orgulhosa e cheia de desprezo. Agora chega de falar dela.
Ele parou para respirar.
– E além disso havia você – continuou. – Se as coisas tivessem sido diferentes,
Lyra, você poderia crescer como gípcia, porque a gípcia implorou ao tribunal que
deixassem você com ela; mas nós, gípcios, somos pouco considerados pela lei. O
tribunal decidiu que você seria colocada num Convento, e assim você foi para as Irmãs
da Obediência em Watlington. Você não se lembra.
John Faa suspirou e continuou a falar:
– Mas Lorde Asriel não permitiu isso. Ele odiava ábades, monges e freiras, e
sendo um homem impulsivo, ele um dia apareceu e levou você embora de lá. Não para
cuidar ele mesmo, nem para dar aos gípcios; levou você para a Faculdade Jordan e
desafiou a lei a desfazer seu ato. Bem, a lei deixou as coisas por isso mesmo. Lorde
Asriel voltou para as suas explorações, e você cresceu na Faculdade Jordan. A única
coisa que ele, seu pai, disse, a única condição que impôs, foi que sua mãe não podia
visitar você. Se alguma vez tentasse, teria que ser impedida, e ele teria que ser
informado, porque toda a raiva que havia em sua natureza tinha se voltado contra ela.
O Reitor prometeu fazer isso. E o tempo passou. Então começou toda essa aflição por
causa do Pó. E no país inteiro, no mundo inteiro, magos e magas começaram também
a se preocupar. Para nós, gípcios, isso não tinha a menor importância, até que
começaram a levar nossas crianças. Foi quando nos interessamos. E temos ligações
em todo tipo de lugares que você nem imaginaria, inclusive na Faculdade Jordan. Você
não sabia, mas havia uma pessoa tomando conta de você e nos contando tudo desde
que você foi para lá. Porque temos interesse em você, e aquela mulher que a criou, ela
nunca deixou de se preocupar com você.
– Quem é que tomava conta de mim? – Lyra quis saber.
Sentia-se imensamente importante e estranhava que os seus atos preocupassem
pessoas tão distantes.
– Era um criado da Cozinha. Bernie Johansen, o confeiteiro. Ele é meio gípcio.
Você não sabia disso, aposto.
Bernie era um homem bondoso, solitário, uma das raras pessoas que têm o
daemon do mesmo sexo. Foi com Bernie que ela havia gritado em desespero quando
Roger tinha sido levado.
E Bernie contava tudo aos gípcios! Ela ficou impressionada. John Faa continuou:
– Bem, nós ouvimos dizer que você ia sair da Faculdade Jordan, e que nessa
mesma ocasião Lorde Asriel estava preso e não poderia impedir. E nos lembramos do
que ele dissera ao Reitor para jamais fazer, e nos lembramos que o homem com quem
sua mãe tinha se casado, o tal político que Lorde Asriel matou, chamava-se Edward
Coulter.
– A Sra. Coulter... – fez Lyra, estupefata. – Ela não é a minha mãe, é?
– É, sim. E se o seu pai estivesse livre, ela jamais teria a ousadia de desafiá-lo, e
você ainda estaria na Jordan sem saber de nada. Mas o que o Reitor pretendia,
deixando você ir embora, é um mistério que não consigo explicar. Ele estava
encarregado de tomar conta de você. Só posso imaginar que ela tenha algum poder
sobre ele.
Lyra entendeu de repente o curioso comportamento do Reitor na manhã da sua
partida.
–Mas ele não queria... – ela começou, tentando lembrar-se exatamente. – Ele...
ele mandou me chamar de manhã bem cedo, e eu não podia contar à Sra. Coulter...
era como se ele quisesse me proteger da Sra. Coulter...
Ela se interrompeu e olhou atentamente para os dois homens; então resolveu
contar-lhes toda a verdade sobre a Sala Privativa.
–Sabem, tem outra coisa. Naquela noite, que me escondi na Sala Privativa, vi o
Reitor tentar envenenar Lorde Asriel. Vi quando ele colocou um pozinho no vinho, e eu
contei ao titio e ele derrubou a garrafa da mesa e derramou o vinho. Quer dizer que eu
salvei a vida dele. Nunca entendi por que o Reitor queria envenenar Lorde Asriel, que
sempre foi tão bom. Então, na manhã em que fui embora, ele me chamou cedinho ao
escritório, tive que ir escondido para que ninguém ficasse sabendo, e ele disse...
Lyra concentrou-se para tentar recordar exatamente o que o Reitor tinha dito,
mas não adiantou. Ela sacudiu a cabeça.
– A única coisa que consegui entender foi que ele me deu uma coisa que eu tinha
que esconder dela, da Sra. Coulter. Acho que não tem importância contar para vocês...
Ela enfiou a mão no bolso do casaco de pele de lobo e tirou o embrulho de
veludo. Colocou-o sobre a mesa e sentiu sobre ele, como um holofote, a curiosidade
simples e sólida de John Faa e a inteligência cintilante de Farder Coram.
Quando ela desembrulhou o aletômetro, foi Farder Coram quem falou primeiro:
– Nunca pensei que ia tornar a ver um desses. É um leitor de símbolos. Ele lhe
contou alguma coisa sobre isso, filha?
– Não. Só disse que eu ia ter que descobrir sozinha como fazer isso funcionar. E
chamou de aletômetro.
– Que quer dizer isso? – John Faa perguntou, voltando-se para o companheiro.
– Acho que vem do grego alétheia, que quer dizer "verdade". É um medidor de
verdade. E você descobriu como é que se usa? – perguntou à menina.
– Não. Pelo menos consigo fazer os três ponteiros menores apontar para figuras
diferentes, mas não consigo controlar o ponteiro grande. Ele se mexe para toda parte.
A não ser às vezes, é, sim, às vezes, quando estou bem concentrada, consigo fazer o
ponteiro grande ir para um lado ou outro só pensando.
– Que é que ele faz, Farder Coram? E como é que se lê?
– John Faa perguntou.
Farder Coram segurou delicadamente o instrumento na direção do olhar forte de
John Faa e disse:
– Todas essas figuras ao redor da borda são símbolos, e cada um deles significa
uma série de coisas. A âncora, por exemplo: o primeiro significado dela é esperança,
porque a esperança nos prende como uma âncora, de modo que a gente não cede. O
segundo significado é firmeza. O terceiro significado é empecilho, ou prevenção. O
quarto é o mar. E assim por diante com dez, doze, talvez uma série infinita de
significados.
– E você conhece todos?
– Conheço alguns, mas para ler tudo eu precisaria do livro.Já vi o livro e sei onde
ele está, mas não está comigo.
– Depois falaremos sobre isso; continue a explicar como se lê – pediu John Faa.
– Existem esses três ponteiros que podemos controlar, e são usados para
fazermos uma pergunta. Apontando cada um para um símbolo, pode-se fazer qualquer
pergunta, porque cada símbolo tem muitos níveis. Depois de feita a pergunta, o
ponteiro grande gira e aponta para outros símbolos, que darão a resposta.
– Mas como ele sabe em qual nível a gente está pensando quando faz a
pergunta? – John Faa quis saber.
– Ah, ele sozinho não sabe. Só funciona se quem pergunta pensar nesses níveis.
Primeiro é preciso conhecer todos os significados, e deve haver mais de mil. Depois
tem que conseguir manter os níveis na mente sem se impacientar, e ficar observando
os movimentos do ponteiro grande. Quando ele tiver dado uma volta completa, a
pessoa saberá qual é a resposta. Sei como isso funciona porque já vi um sábio em
Uppsala mexendo com um desses, e foi a única vez que vi. Sabe que eles são
raríssimos?
– O Reitor me disse que só seis foram fabricados –Lyra contou.
– Sejam quantos forem, são pouquíssimos.
– E você guardou segredo da Sra. Coulter, como o Reitor pediu? – John Faa
perguntou.
– Guardei, sim. Mas o daemon dela, sabem, ele costumava entrar no meu quarto.
E ele descobriu, eu tenho certeza.
–Entendo. Bem, Lyra, não sei se algum dia vamos chegar a compreender tudo, m
as tenho um palpite, nada mais que isso: Lorde Asriel encarregou o Reitor de tomar
conta de você e não deixar sua mãe chegar perto. E foi o que ele fez, por mais de dez
anos. Então os amigos da Sra. Coulter na Igreja ajudaram sua mãe a criar esse tal de
Conselho de Oblação, ainda não sabemos com que intenção, e ela ficou tão poderosa
quanto Lorde Asriel. Seus pais, os dois poderosos, os dois ambiciosos, e o Reitor da
Jordan mantendo você equilibrada entre eles. Bom, o Reitor tem mil coisas para cuidar;
sua primeira preocupação é a faculdade, de modo que se surgir uma ameaça, ele tem
que agir contra ela. E a Igreja, ultimamente, Lyra, tem ficado mais autoritária. Criaram
conselhos disso e daquilo; estão falando em reviver o Ofício da Inquisição, Deus me
livre. E o Reitor tem que pisar com cuidado entre todos esses poderes. Tem que
manter a Faculdade Jordan nas graças da Igreja, senão ela não vai sobreviver.
Ele fez uma pausa curta e em seguida continuou:
– Outra preocupação do Reitor é você, minha filha. Bernie Johansen sempre foi
muito claro sobre isso: o Reitor da Jordan e os outros Catedráticos amam você como
se fosse filha. Fariam qualquer coisa para que você fique em segurança, não só porque
prometeram a Lorde Asriel, mas por sua causa também. Então, se o Reitor entregou
você à Sra. Coulter depois de prometer a Lorde Asriel que não faria isso, ele deve ter
achado que você estaria mais segura com ela do que na Faculdade Jordan, apesar das
aparências. E quando ele resolveu envenenar Lorde Asriel, deve ter achado que as
coisas que Lorde Asriel estava fazendo iam colocar todos eles em perigo, e talvez
todos nós também; talvez o mundo inteiro. Considero o Reitor um homem que tem que
fazer escolhas terríveis; seja qual for a sua escolha, isso vai causar dano; mas, talvez,
se ele fizer a coisa certa, o dano será um pouco menor do que se ele escolher de
maneira errada. Deus me livre de ter que fazer esse tipo de escolha. E quando as
coisas chegaram ao ponto de ter que deixar você partir, ele lhe deu o leitor de símbolos
e pediu que você o guardasse. Fico me perguntando o que ele pretendia que você
fizesse com o instrumento; como você não sabe fazer a coisa funcionar, fico sem
entender o que ele estava querendo.
–Ele disse que tio Asriel deu o aletômetro de presente à Faculdade Jordan há
muitos anos – Lyra contou, tentando lembrar-se. – Ia dizer mais alguma coisa, mas
bateram na porta, e ele teve que parar. O que eu achei foi que ele podia querer que eu
escondesse o aletômetro de Lorde Asriel também.
– Ou ao contrário – interveio John Faa.
– Como assim, John? – quis saber Farder Coram.
– Ele podia estar pretendendo pedir a Lyra para devolver isto a Lorde Asriel,
como uma espécie de recompensa por tentar envenená-lo. Pode ter achado que o
perigo que Lorde Asriel representava tinha passado. Ou que Lorde Asriel conseguiria
tirar algum proveito deste instrumento e desistir da sua intenção. Se Lorde Asriel está
preso agora, isso poderia ajudar a libertá-lo. Bem, Lyra, é melhor você guardar em
segurança este leitor de símbolos. Se conseguiu até agora, não me preocupo. Mas
pode chegar a hora de precisarmos consultá-lo, e então vamos pedi-lo a você.
Ele embrulhou o instrumento no veludo e deslizou-o por cima da mesa. Lyra queria
fazer todo tipo de perguntas, mas de repente sentiu-se tímida diante daquele
homenzarrão de olhos tão vivos e bondosos no rosto cheio de rugas.
Porém uma coisa ela precisava perguntar . – Quem foi a mulher gípcia que me
amamentou?
– Ora, foi a mãe de Billy Costa, é claro. Ela não iria contar a você porque eu não
permiti, mas sabe qual é o assunto desta nossa conversa. Aliás, é melhor você voltar
para ela agora. Tem muita coisa em que pensar, filha. Depois de passados três dias,
vamos ter outra reunião e discutir o que se há de fazer. Comporte-se. Boa noite, Lyra.
– Boa noite, Lorde Faa. Boa noite, Farder Coram –ela disse educadamente,
apertando o aletômetro contra o peito com uma das mãos e pegando Pantalaimon com
a outra.
      Ambos os anciãos sorriram-lhe com bondade. Do lado de fora do aposento, Mãe
Costa estava à espera e, como se nada tivesse acontecido desde que Lyra nascera, a
gípcia levantou-a em seus braços enormes e beijou-a antes de levá-la para a cama.

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