quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Capítulo Dezessete

Certa manhã, um mês depois do retorno de Amsterdã, fui dirigindo até a casa dele. Seus pais me disseram que ele ainda estava dormindo lá embaixo, então bati na porta do porão antes de entrar e falei:
— Gus?
Encontrei-o balbuciando um idioma de sua própria criação. Tinha mijado na cama. Foi horrível. Não consegui nem olhar, sério. Só gritei pelos pais dele, que foram até lá embaixo, e subi as escadas enquanto o
secavam e limpavam.
Quando voltei ao porão ele estava despertando gradualmente do efeito dos analgésicos para mais um dia excruciante. Arrumei os travesseiros para que pudéssemos jogar Counterinsurgence no colchão sem lençóis, mas ele estava tão cansado e desconcentrado que teve um desempenho ruim como o meu, e não conseguimos passar cinco minutos sem que ambos acabássemos morrendo. E também não eram mortes heroicas nem elaboradas. Só mortes negligentes.
Não falei nada para o Gus. Quase desejei que ele esquecesse que eu estava lá, acho, e esperava que não lembrasse que eu havia encontrado o garoto que eu amo mostrando sinais de demência deitado numa poça de seu próprio mijo. Fiquei meio que esperando que ele fosse olhar para mim e dizer: "Ah, Hazel Grace. Como você chegou até aqui?"
Mas, infelizmente, ele lembrava.
— A cada minuto que passa estou desenvolvendo uma simpatia mais profunda pela palavra mortificado — ele disse, por fim.
— Eu já fiz xixi na cama, Gus, acredite. Não é nada demais.
— Você costumava — ele falou, e então suspirou profundamente —me chamar de Augustus.


* * *


— Sabe — ele disse depois de um tempo —, isso é coisa de criança, mas sempre imaginei que meu obituário sairia impresso em todos os jornais, que eu teria uma história digna de ser contada. Sempre suspeitei secretamente que eu fosse especial.
— Você é — falei.
— Você sabe o que eu quero dizer — ele retrucou.
Eu sabia o que ele queria dizer. Só não concordava com aquilo.
— Não estou nem aí se o New York Times vai redigir um obituário para mim. Só quero que seja você a escrever — falei. — Você diz que não é especial porque o mundo não sabe da sua existência, mas isso é um insulto à minha pessoa. Eu sei da sua existência.
— Não acho que eu vá sobreviver para escrever seu obituário — ele disse, em vez de pedir desculpas.
Fiquei muito frustrada.
— Só o que eu quero é ser o suficiente para você, mas nunca consigo. Isso aqui nunca chega a ser o suficiente para você. Mas é isso o que você tem. Você tem a mim, tem sua família e tem este mundo. Esta é a sua vida. Sinto muito se é uma droga. Mas você não vai ser o primeiro homem a pisar em Marte, não vai ser um astro da NBA e não vai caçar nazistas. Quer dizer, dê uma olhada em você, Gus. — Ele não disse nada. — Eu não quero dizer… — comecei.
— Ah, você quis dizer, sim — ele me interrompeu.
Comecei a me desculpar e ele disse:
— Não, foi mal. Você está certa. Vamos só jogar.
Então nós só jogamos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário