quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Cento e catorze dias depois

UMA SEMANA E MEIA DEPOIS, voltei para o quarto depois da aula, o sol fustigando minha pele num constante lembrete de que a primavera no Alabama tinha durado questão de horas, e agora, no princípio de maio, o verão tinha retornado para uma estada de seis meses.
Senti o suor escorrer por minhas costas e ansiei pelos ventos gelados de janeiro. Quando entrei no quarto, encontrei Takumi sentado no sofá, lendo minha biografia de Tolstói.
— Humm, oi, — eu disse.
Ele fechou o livro, colocou-o ao seu lado e disse:
— Dez de janeiro.
— Como? — perguntei.
— Dez de janeiro. Não sabe o que aconteceu nesse dia?
— Bem, sim, foi o dia em que a Alasca morreu. — Tecnicamente, ela tinha morrido às três da manhã do dia 11 de janeiro, mas para nós, pelo menos, ainda era noite de segunda-feira, 10 de janeiro.
— Não, outra coisa, Gordo. Nove de janeiro. A mãe da Alasca a levou para o zoológico.
— Espera. Não. Como sabe disso?
— Ela nos contou na Noite do Celeiro. Lembra?
É claro que eu não lembrava. Se conseguisse me lembrar dos números, não estaria sofrendo para conseguir um C+ em Pré-Cálculo.
— Puta que pariu! — eu disse quando o Coronel entrou.
— O que foi? — o Coronel perguntou.
— Nove de janeiro de 1997, — eu lhe disse. — Alasca gostou dos ursos, a mãe dela gostou dos macacos. — O Coronel olhou para mim sem entender, depois tirou a mochila e a jogou para o outro lado do quarto num único movimento.
— Puta que pariu! — ele disse. — COMO NÃO PENSEI NISSO!
Um minuto depois, o Coronel bolou a melhor solução que iríamos ter.
— Certo. Ela está dormindo. O Jake liga. Ela está conversando com ele, está desenhando. Olha para a flor branca, pensa: “Meu Deus! Minha mãe gostava de flores brancas e as colocavam no meu cabelo quando eu era pequena”, e surta. Volta para o quarto e grita conosco dizendo que se esqueceu – que se esqueceu da mãe é claro. Pega as flores e vai de carro para – para onde? — E olhou para mim. — Para onde? Para o túmulo da mãe?
Eu disse:
— É, acho que sim. Ela entra no carro, querendo visitar o túmulo da mãe, mas depara com um caminhão e o carro da polícia. Está bêbada, irritada e com pressa, acha que pode passar entre os dois, não está pensando direito, só quer visitar o túmulo da mãe, tenta dar um jeito de passar por entre eles e PUF.
Takumi cabeceou lentamente, pensativo, e disse:
— Ou então ela entra no carro com as flores. Mas já perdeu o aniversário de morte. Provavelmente está achando que desapontou a mãe de novo – primeiro, não liga para a emergência, depois nem mesmo se lembra da porcaria de aniversário. Ela está furiosa, ela se odeia, diz: “Chega, vou fazer isso”, vê o carro da polícia – eis sua chance -, e bate.
O Coronel tirou um maço de cigarros do bolso e o virou de ponta-cabeça, batendo com ele de leve na MESA DE CENTRO.
— Bem, — disse, — isso explica tudo.

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