quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Cento e um dias antes

NA PRIMEIRA MANHÃ DE OUTUBRO, vi que alguma coisa estava errada no momento em que me levantei para desligar o despertador. A cama tinha um cheiro estranho. Eu me sentia estranho. Levei quase um minuto, ainda desorientado, para perceber que estava com frio. Bem, agora, pelo menos, o ventiladorzinho preso na cama parecia desnecessário.
— Está frio! — gritei.
— Deus do céu, que horas são? — ouvi no beliche de cima.
— Oito e... Quatro, — eu disse.
O Coronel, que não tinha despertador, mas quase sempre acordava antes de mim para tomar uma ducha, se levantou, colocou as pernas curtas para fora da cama, pulou para o chão e correu para a cômoda.
— Acho que perdi a chance de tomar banho, — ele disse enquanto vestia uma bermuda e uma camiseta verde, em que se lia BASQUETE DE CULVER CREEK. — Fazer o que? Amanhã é outro dia. E não está frio. Deve estar fazendo uns vinte e seis graus.
Grato por ter dormido de roupa, só tive o trabalho de calçar o tênis, e o Coronel e eu fomos correndo para a sala de aula. Sentei-me na carteira vinte segundos antes de a professora chegar. Lá pela metade da aula, quando Madame O´Malley se virou de costas para escrever alguma coisa em francês na lousa, Alasca aproveitou para me passar um bilhete.

Bela cara de sono. Quer estudar no McDonald´s durante o almoço?

Faltavam apenas dois dias para o nosso primeiro teste importante de Pré-Calculo, então, Alasca reuniu seis alunos de Pré-Calculo que ela não considerava Guerreiros de Dia de Semana e nos colocou em seu pequeno carro azul de duas portas. Por feliz coincidência, uma segundanista bonitinha chamada Lara acabou sentando no meu colo. Lara tinha nascido na Rússia ou algo assim e falava com um ligeiro sotaque. Já que estávamos praticamente transando, separados apenas por quatro camadas de roupas, aproveitei a oportunidade para me apresentar.
— Da, eu sei quem você é. — Ela sorriu. — Você é o amigo que veio da Flórida.
— Isso mesmo. Prepare-se para um monte de perguntas idiotas, porque sou péssimo em Pré-Calculo, — eu disse.
Ela ia responder, mas foi jogada para trás quando Alasca disparou pelo estacionamento.
— Pessoal, esse é o meu Azul-metálico. Metálico porque é uma lata velha, — disse Alasca. — Azul Metálico, esse é o pessoal. Sugiro que vocês ponham o cinto de segurança, se conseguirem encontrá-lo. Gordo, é melhor você fazer as vezes de cinto para a Lara. — O que faltava ao carro em termos de potencia Alasca compensava recusando-se a tirar o pé do acelerador, não importava as consequências. Antes mesmo de sairmos do estacionamento, Lara começou a balançar de um lado para o outro quando Alasca fazia uma curva mais fechada, por isso segui seu conselho e passei os braços ao redor da cintura da garota.
— Obrigada, — ela disse, tão baixinho que quase não ouvi.
Depois de rápidos e imprudentes cinco quilômetros até o McDonald´s, pedimos sete porções grandes de batata frita para dividir e fomos nos sentar do lado de fora. Nós nos posicionamos em torno das batatas e Alasca começou a dar aula, comendo e fumando ao mesmo tempo.
Como toda boa professora, ela tolerava pouca distração. Fumou, falou e comeu por uma hora sem parar, e, enquanto eu escrevia no caderno, as águas turvas das tangentes e dos cossenos começaram a clarear. Mas nem todos tiveram a mesma felicidade.
Quando Alasca tocou num aspecto bastante obvio das equações lineares, o maconheiro/jogador Hank Walsten disse: — Calma, calma, não entendi.
— Isso é porque você só tem oito neurônios funcionando.
— Estudos mostram que a maconha é melhor para a saúde do que esses seus cigarros, — Hank disse.
Alasca engoliu um bocado de batatas fritas, deu uma tragada no cigarro e soprou a fumaça na direção de Hank, que estava do outro lado da mesa.
— Posso morrer jovem, — ela disse, — mas pelo menos morro inteligente. Agora, voltando as tangentes.

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