quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Cento e vinte e dois dias depois

UMA BRISA FRESCA tinha repelido o forte calor, e, na manhã em que receberíamos nosso trabalho final, o Velho sugeriu que tivéssemos aula lá fora. Eu me indaguei por que haveríamos de ter uma aula inteira lá fora quando eu fora expulso da sala no último semestre apenas por olhar para fora, mas era isso o que o Velho queria, então fizemos sua vontade. Ele se sentou numa cadeira trazida por Kevin Richman. Nós nos sentamos sobre a relva, meu caderno, a princípio, empoleirado canhestramente em meu colo e depois colocado em cima das espessas folhas de grama. O chão encaroçado não se prestava para a escrita, e os mosquitos zumbiam entre nós. Estávamos perto demais do lago para termos algum conforto, mas o Velho parecia feliz.
— Tenho aqui o trabalho final de vocês. No último semestre, dei-lhes quase dois meses para concluir o trabalho. Desta vez, terão apenas duas semanas. — Ele fez uma pausa. — Acho que não podemos fazer nada quanto a isso. — E riu. — Para ser sincero, só consegui me decidir por este tema na noite passada. Isso vai contra a minha natureza. Que seja. Passem as folhas. — Quando a pilha chegou às minhas mãos, li a pergunta:
O que você – você especificamente – vai fazer para sair deste labirinto de sofrimento? Agora que já conhece três importantes tradições religiosas, use seu intelecto recém-iluminado para responder à pergunta da Alasca.
Depois que todos receberam a folha, o Velho disse:
— Vocês não precisam discutir as perspectivas das diferentes religiões em seus trabalhos, então não será necessário fazer pesquisa. Seu conhecimento, ou falta de conhecimento, já foi avaliado nos testes deste semestre. Só quero saber como vocês vão enquadrar em sua visão de mundo a presença incontestável do sofrimento e como esperam navegar pela vida apesar disso.
— Ano que vem, supondo que meus pulmões resistam, vamos estudar o taoísmo, o hinduísmo e o judaísmo ao mesmo tempo... — O Velho tossiu e começou a rir, o que lhe provocou mais tosse. — Santo Deus, acho que não vou aguentar. Mas, quanto às três religiões que estudamos este ano, gostaria de falar mais uma coisa. O islamismo, o cristianismo e o budismo, cada qual tem seu fundador – Maomé, Jesus e Buda, respectivamente. E, pensando nesses fundadores, acho que podemos concluir que cada um deles nos trouxe uma mensagem radical de esperança. Para a Arábia do século VII, Maomé trouxe a promessa de que todos poderiam encontrar felicidade e vida eterna no único Deus verdadeiro. Buda nos trouxe a esperança de sermos capazes de transpor o sofrimento. Jesus nos disse que os últimos serão os primeiros e que até os coletores de imposto e os leprosos – os renegados – têm razão para ter esperança. Assim, a pergunta que eu lhes faço neste trabalho é a seguinte: O que lhes dá esperança?
Quando voltamos para o Quarto 43, o Coronel começou a fumar. Embora eu tivesse de lavar louça no refeitório por mais uma noite para curar meu vício, não estávamos lá com muito medo do Águia. Restavam apenas quinze dias e, se fôssemos pegos, simplesmente teríamos de começar o último ano com algumas horas de trabalho forçado.
— Como vamos sair deste labirinto, Coronel? — perguntei.
— Se eu soubesse... — ele disse.
— Acho que assim você não vai conseguir um ‘A’.
— Nem vou conseguir aquietar minha alma.
— Ou a dela, — eu disse.
— Certo. Tinha me esquecido dela. — Ele balançou a cabeça. — Isso fica acontecendo.
— Bem, você precisa escrever alguma coisa, — argumentei.
— Depois de todo esse tempo, acho que ‘rápida e diretamente’ é o único jeito de sair – mas prefiro o labirinto. O labirinto é uma droga, mas eu o escolho.

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