quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Cinquenta e um dias antes

NA MANHÃ SEGUINTE, não ouvi a batida na porta, se é que houve alguma batida.
Ouvi apenas: — Levanta! Sabe que horas são?
Olhei para o relógio e resmunguei, um pouco sonolento: — Sete e trinta e seis.
— Não, Gordo. É hora de farrear! Temos apenas sete dias antes de todo mundo voltar. Meu Deus, não sabe como é bom ter você aqui. Passei o último feriado fazendo uma vela gigante com a cera das outras velas. Foi muito chato. Contei os quadrados do teto. Oitenta e quatro de pé e sessenta e sete deitados. Isso é que é sofrimento! Foi uma verdadeira tortura.
— Estou cansado. Eu... — eu disse, então ela me interrompeu.
— Pobrezinho do Gordo. Pobrezinho. Quer que eu me deite na cama para dormir abraçadinha com você?
— Não é má ideia...
— NÃO! LEVANTA! AGORA!
Ela me levou para os fundos de uma ala de quarto dos Guerreiros de Dia de Semana — do 50 ao 59 — e parou em frente a uma das janelas, colocou as mãos espalmadas contra o vidro e o empurrou para cima até a janela se abrir pela metade, depois entrou. Eu fui atrás.
— O que você está vendo, Gordo?
Eu estava vendo um quarto — as mesmas paredes de bloco de concreto, as mesmas dimensões e até o mesmo layout do meu. O sofá deles era melhor, e eles tinham uma mesa de centro de verdade em vez de uma MESA DE CENTRO. Havia dois pôsteres na parede. Um deles continha um monte de notas de cem dólares com a legenda O PRIMEIRO MILHÃO É O MAIS DIFÍCIL. Na parede oposta, um pôster de uma Ferrari vermelha.
— Bom..., estou vendo um quarto.
— Você não está prestando atenção, Gordo. Quando entro no seu quarto, vejo dois garotos que adoram videogame. Quando entro no meu quarto, vejo uma garota que gosta de ler. — Ela caminhou até o sofá e pegou uma garrafa plástica de refrigerante. — Olha só, — ela disse, e eu vi que a garrafa estava cheia pela metade de um líquido nojento. Fumo. — Eles mascam fumo. E obviamente não são muito higiênicos. Então será que vão se importar se mijarmos nas suas escovas de dente? Não vão se importar tanto assim. Preste atenção. Do que é que eles gostam?
— Eles gostam de dinheiro, — eu disse, apontando para o pôster. Ela jogou as mãos para o alto, irritada.
— Todos eles gostam de dinheiro, Gordo. Tudo bem. Entre no banheiro e me diga o que você está vendo.
Aquele joguinho estava me deixando um pouco irritado, mas entrei no banheiro enquanto ela se sentava no sofá convidativo. No chuveiro havia mais de dez garrafas de xampu e de condicionador. No armário de remédios, encontrei um frasco cilíndrico de algo chamado Rewind. Tirei a tampa — o gel azulado tinha cheiro de flores e álcool etílico, como um salão de cabeleireiros para gente rica. (Debaixo da pia, encontrei um tubo de vaselina tão grande que só poderia ter uma serventia, mas não quis pensar naquilo). Voltei para o quarto e disse, empolgado, — Eles gostam do cabelo.
— Isso! — ela gritou. — Dê uma olhada no beliche de cima. — Perigosamente equilibrado na estreita cabeceira de madeira, um tubo de gel STAYWET. — O Kevin não acorda simplesmente com o cabelo espetado e uma cara de sono, Gordo. Ele se esforça para ficar assim. Ele ama o cabelo. E eles deixam os produtos aqui. Gordo, porque têm mais em casa. Todos esses garotos são iguais. Sabe por quê?
— Porque querem compensar o pinto pequeno? — perguntei.
— Ah! Ah! Não. Isso eles fazem agindo como machões e babacas. Eles gostam do cabelo porque não tem inteligência suficiente para gostar de algo mais interessante. Então vamos atingi-los onde dói: no couro cabeludo.
— Hum... OK, — eu disse, não sabendo ao certo como pregar uma peça no couro cabeludo de alguém.
Ela se levantou, foi até a janela e se inclinou sobre o parapeito, rebolando para sair.
— Não olha para minha bunda! — ela disse, então olhei para a bunda dela, alargando-se sinuosamente da cintura fina até as coxas. Ela deu uma cambalhota com certa facilidade e saiu pela janela semiaberta. Eu preferi adotar o método do “pé primeiro”, passando os pés para o outro lado, inclinando o corpo para trás e escorregando pela abertura estreita.
— Certo, — ela disse. — Isso foi estranho. Vamos para o Buraco do Fumo.
Ela arrastou os pés pela estrada de saibro até a ponte, querendo levantar poeira, como se estivesse andando de esqui. Enquanto descíamos a quase trilha da ponte até o Buraco, ela se virou para trás, olhou para mim e parou.
— Onde será que se compra tinta azul industrial? — disse, então segurou o galho para eu passar.

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