quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Nove dias depois

— TENHO UMA TEORIA, — o Coronel disse quando entrei no quarto depois de um terrível dia de aula. O frio tinha começado a diminuir, mas a noticia não chegara aos ouvidos de quem comandava a fornalha, pois as salas continuavam abafadas e quentes demais, e seu só queria engatinhar até a cama e dormir até a hora de começar tudo de novo.
— Senti sua falta na aula de hoje, — comentei, sentando-me na cama. O Coronel estava em sua escrivaninha, debruçado sobre um caderno. Eu me deitei de barriga para cima e puxei as cobertas por sobre a cabeça, mas o Coronel insistiu.
— Pois é. Eu estava criando essa teoria. Ela não me parece muito provável, mas é plausível. Escuta só. Ela beija você. Depois alguém telefona. Jake, imagino. Eles brigam – porque ela foi infiel ou outra coisa, não sei. Ela fica chateada e quer ver o namorado. Volta para o quarto chorando e nos pede ajuda para sair do campus. Está desesperada, porque, sei lá, digamos que o Jake vai terminar o namoro se ela não for visitá-lo. É um motivo hipotético. Ela sai do campus, bêbada e chateada. Está furiosa consigo mesma por algum motivo. Está dirigindo, vê o carro da policia, e, num lampejo, tudo se encaixa. Ela percebe a saída para seu mistério labiríntico é encará-lo de frente. É o que ela faz, rápida e diretamente, indo de encontro à viatura sem se desviar, não porque estivesse bêbada, mas porque queria se matar.
— Isso é ridículo. Ela não estava pensando no Jake, não estava brigando com ele. Estava me beijando. Tentei falar sobre o Jake, mas ela fez sshh para mim.
— Então quem foi que ligou?
Desvencilhei-me do edredom aos chutes e, com os punhos cerrados, soquei a parede enquanto dizia cada silaba:
— EU! NÃO! SEI! E quer saber? Não importa. Porque ela está morta. Será que o brilhante Coronel vai pensar em algo que a deixe menos morta? — Mas claro que importava, e foi por isso que continuei socando a parede de concreto, foi por isso que as perguntas vieram à tona durante a semana. Quem ligou? O que aconteceu? Por que ela saiu? Jake não comparecera ao funeral. Não ligara para nos dizer que sentia muito ou para perguntar o que havia acontecido. Simplesmente desaparecera, e eu tinha me perguntado, é claro. Tinha me perguntado se ela tivera intenção de manter a promessa de continuarmos depois. Tinha me perguntado sobre quem teria ligado, e por quê, e o que a tinha deixado tão chateada. Mas preferia me indagar a encontrar respostas com as quais não seria capaz de conviver.
— Talvez ela tenha saído para terminar com o Jake e depois, — o Coronel disse, com a voz subitamente embotada, e se sentou na beira da minha cama.
— Não sei. E, para ser sincero, também não quero saber.
— É, mas eu quero, — ele disse. — Porque, se ela sabia o que estava fazendo, Gordo, então ela nos fez seus cumplices. E eu a odeio por isso. Santo Deus! Olha só para nós. Nem mesmo conseguimos falar com as outras pessoas. Então, escuta, escrevi o que devemos fazer: Primeiro. Falar com as testemunhas oculares. Segundo. Descobrir quão bêbada ela estava. Terceiro. Descobrir aonde ela estava indo e por quê.
— Não quero falar com o Jake, — eu disse, sem entusiasmo, já conformado com os intermináveis planos do Coronel. — Se ele souber, certamente não vou querer falar com ele. E, se não souber, não vou querer fingir que nada aconteceu.
O Coronel ficou de pé e soltou um suspiro.
— Quer saber, Gordo? Eu me sinto mal por você. Juro. Sei que vocês se beijaram e sei que você está de coração partido. Mas, sério, cala a boca. Se o Jake souber, você não vai tornar as coisas piores. E, se ele não souber, não vai descobrir. Então pare de se preocupar consigo mesmo por um minuto e pense em nossa amiga que morreu. Desculpa, foi um longo dia.
— Não tem problema, — eu disse, puxando as cobertas por sobre a cabeça. — Não tem problema, — repeti. Que seja. Realmente não tinha problema. Teria de ser. Não podia me dar ao luxo de perder o Coronel.

Nenhum comentário:

Postar um comentário