quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Noventa e nove dias antes

PASSEI A MAIOR PARTE DO DIA SEGUINTE na cama, imerso no mundo fictício e terrivelmente enfadonho de Ethan Frome, enquanto o Coronel, sentado à sua mesa, desvendava os mistérios das equações diferencias ou algo assim. Por mais que tentássemos racionar as pausas para fumar no vapor do chuveiro, ficamos sem cigarros antes do anoitecer e tivemos de dar uma passada no quarto da Alasca. Ela estava deitada no chão, de barriga para cima, lendo um livro.
— Vamos sair para fumar, — ele disse.
— Estão sem cigarros, não é? — ela perguntou, sem olhar para cima.
— Bem. Estamos.
— Tem cinco paus? — ela perguntou.
— Não.
— E você, Gordo? — ela perguntou.
— Tenho, tenho. — Pesquei uma nota de cinco dólares no bolso, e Alasca me deu um maço de Marlboro Lights com vinte cigarros. Eu sabia que só ia fumar uns cinco, mas, enquanto estivesse sustentando o vício do Coronel, ele não poderia me acusar de ser mais um garoto riquinho, um Guerreiro de Dia de Semana que só não ia para casa porque não morava em Birmingham.
Pegamos Takumi e fomos para o lago, nos escondendo atrás das árvores, rindo. O Coronel soprava anéis de fumaça, e Takumi os chamava de “pretensiosos”, enquanto Alasca seguia os anéis e os espetava com os dedos como uma criança furando bolhas de sabão.
Então ouvimos um galho se partindo. Poderia ter sido um cervo, mas o Coronel saiu correndo mesmo assim. Uma voz disse, bem atrás de nós:
— Não corra, Chipper. — O Coronel parou, deu meia-volta e retornou, envergonhado.
O Águia veio caminhando lentamente em nossa direção, os lábios franzidos de nojo. Estava de camisa branca e gravata preta, como sempre. Encarou-nos, um a um, com seu Olhar do Juízo Final.
— Estão fedendo mais que incêndio em plantação de tabaco, — ele disse.
Ficamos calados. Eu estava me sentindo exageradamente mal, como se tivesse sido pego fugindo da cena de um homicídio. Será que ele ia ligar para os meus pais?
— Vejo vocês no Júri, amanhã às cinco, — ele disse e foi embora. Alasca se agachou, pegou o cigarro que tinha jogado no chão e começou a fumar de novo. O Águia deu meia-volta, o sexto sentido detectando Desobediência à Figura de Autoridade. Alasca largou o cigarro e o amassou com o sapato. O Águia balançou a cabeça e, embora provavelmente estivesse morrendo de raiva, juro por Deus que sorriu.
— Ele me ama, — Alasca me disse enquanto voltávamos para o círculo dos dormitórios. — Também ama vocês. Só que ama mais a escola. Esse é o problema. Ele acha que esses flagras são bons para a escola e para nós. É a eterna luta, Gordo. Do Bom contra o Rebelde.
— Você está filosofando demais para uma garota que acabou de ser pega, — eu disse.
— Às vezes, perdemos a batalha. Mas a farra sempre ganha guerra.

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