quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Noventa e oito dias antes

O JÚRI ERA UMA DAS PECULIARIDADES de Culver Creek. Todo semestre, o corpo docente selecionava doze alunos, três de cada ano para servirem de jurados. Eles deliberavam o castigo para os delitos menores, não puníveis com expulsão, desde sair depois do toque de recolher até fumar. Os mais comuns eram fumar e ser pego no quarto de uma menina depois das sete horas. A pessoa se apresentava diante dos jurados, fazia sua defesa e eles davam a sentença. O Águia servia de juiz e tinha o direito de invalidar as decisões do júri (exatamente como nos tribunais norte-americanos), mas quase nunca o fazia.
Fui para a Sala 4 logo depois da última aula - quarenta minutos adiantado, só para garantir. Sentei-me no corredor com as costas grudadas na parede e fiquei lendo o livro de história norte-americana (uma espécie de leitura terapêutica para mim, para ser sincero) até que Alasca apareceu e se sentou ao meu lado. Ela estava mordiscando o lábio inferior, então lhe perguntei se estava nervosa.
— Bem, estou. Mas aguente firme e não diga nada, está bem? — advertiu. — Você não precisa ficar nervoso. Mas esta é a sétima vez que sou pega fumando. Não quero - que seja. Não quero chatear meu pai.
— Por quê? Sua mãe fuma? — perguntei.
— Parou de fumar, — disse Alasca.
— Está tudo bem. Você vai ficar bem.
Só comecei a me preocupar quando deram 16h50 e não havia sinal nem do Coronel nem do Takumi. Os membros do Júri fizeram fila para entrar na sala, passando por nós sem fazer contato visual – o que me fez sentir pior ainda. Lá pelas 16h56, todos os doze já tinham chegado, inclusive o Águia.
Às 16h58, o Coronel e o Takumi dobraram a esquina a caminho das salas de aula.
Eu nunca tinha visto nada parecido. Takumi usava uma camisa branca engomada e uma gravata vermelha com estampa preta; e o Coronel estava com sua camisa cor-de-rosa amassada e a gravata com desenhos de flamingos. Ambos caminhavam no mesmo passo, queixo para cima, ombros para trás, como se fossem heróis de algum filme de ação.
Ouvi Alasca suspirar:
— O Coronel está fazendo sua Caminhada de Napoleão.
— Está tudo bem, — o Coronel me disse. — Só não diga nada.
Entramos - dois de nós usando gravatas e os outros dois usando camisetas velhas -, e o Águia deu uma firmíssima martelada no atril. Os jurados estavam sentados atrás de uma mesa retangular. Na frente da sala, perto da lousa, havia quatro cadeiras. Nós nos sentamos, e o Coronel explicou exatamente o que havia acontecido.
— Alasca e eu estávamos fumando perto do lago. Geralmente saímos do campus para fumar, mas dessa vez esquecemos. Sentimos muito. Não vai se repetir.
Eu não sabia o que estava acontecendo. Mas sabia o que devia fazer: aguentar firme e não dizer nada. Um dos garotos se virou para o Takumi e perguntou:
— E quanto a você e o Halter?
— Estávamos apenas fazendo companhia, — Takumi disse, calmamente.
O garoto se virou para o Águia e perguntou:
— O senhor viu alguém fumando?
— Só Alasca, mas Chip saiu correndo, o que me pareceu uma covardia, assim como esse arzinho de espanto do Miles e do Takumi, — disse o Águia, lançando-me o Olhar do Juízo Final. Eu não queria parecer culpado, mas não consegui sustentar seu olhar, então baixei a cabeça e fitei minhas mãos.
O Coronel trincou os dentes, como se lhe custasse mentir.
— É a verdade, senhor.
O Águia nos perguntou se queríamos dizer mais alguma coisa, perguntou ao Júri se eles tinham mais perguntas e nos mandou sair.
— Que diabos aconteceu lá dentro? — perguntei ao Takumi quando saímos.
— Aguenta firme, Gordo.
Por que Alasca tivera de confessar? Logo ela que fora pega tantas vezes! Por que o Coronel, que, literalmente, não podia se dar ao luxo de se meter em encrenca? Por que não eu? Eu nunca tinha sido pego por nada. Eu tinha menos a perder. Passados alguns minutos, o Águia apareceu e fez sinal para que entrássemos.
— Alasca e Chip, — disse um dos membros do Júri, — vocês serão punidos com dez horas de trabalho forçado - lavando pratos no restaurante da escola -, e, se acontecer mais alguma coisa, seus pais serão notificados. Takumi e Miles, não há nada no regulamento que os proíba de ficar vendo alguém fumar, mas o Júri vai se lembrar dessa história se vocês violarem mais alguma regra. Entendidos?
— Entendidos, — disse Alasca depressa, visivelmente aliviada. Quando eu estava saindo, o Águia me puxou pelo ombro.
— Não abuse dos seus privilégios nesta escola, rapazinho, ou vai se arrepender. — Eu assenti com a cabeça.

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