quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Oitenta e nove dias antes

— ARRANJAMOS UMA NAMORADA PARA VOCÊ, — Alasca me disse. No entanto, ninguém tinha me explicado o que acontecera no Júri na semana anterior. Não que o castigo tivesse afetado Alasca, que estava (1) no nosso quarto, e porta fechada, depois de escurecer e (2) fumando um cigarro no sofá quase todo de espuma. Ela enfiou uma toalha debaixo da porta e teimou que era seguro, mas eu estava preocupado – com o cigarro e com a “namorada”.
— Tudo o que eu tenho a fazer agora, — ela disse, — é convencer você a gostar da menina e convencer a menina a gostar de você.
— Tarefas monumentais, — o Coronel salientou. Estava deitado no beliche de cima, lendo Moby Dick para a aula de Inglês.
— Como consegue ler e conversar ao mesmo tempo? — perguntei.
— Bem em geral, não consigo, mas nem o romance nem a conversa são intelectualmente desafiadores.
— Eu gosto desse livro, — Alasca disse.
— Claro. — O Coronel sorriu e se debruçou para encarar Alasca do alto do beliche. — É claro que gosta. A grande baleia branca é uma metáfora para tudo. E você adora metáforas pretensiosas.
Alasca não se perturbou.
— Então, Gordo, o que você acha da ex-União Soviética?
— Hmm... Sou a favor?
Ela bateu as cinzas do cigarro dentro do meu porta-lápis. Eu quase protestei, mas do que ia adiantar?
— Sabe aquela menina da aula de Pré-Cálculo, — Alasca perguntou, — que tem uma voz suave e diz ‘quéém’ em vez de ‘quem’? Sabe quem é?
— Sei. A Lara. Ela sentou no meu colo a caminho do McDonald’s.
— Isso. Eu lembro. Ela gostou. Você pensou que ela estivesse conversando discretamente sobre Pré Cálculo, quando, na verdade, estava falando sobre fazer sexo com você. É por isso que precisa de mim.
— Ela tem peitos lindos, — o Coronel disse, sem tirar os olhos da baleia.
— NÃO OBJETIFIQUE O CORPO DA MULHER! — Alasca gritou.
Então ele olhou por sobre o livro.
— Desculpa. Peitos firmes.
— Dá no mesmo!
— Claro que não! — ele disse. — Lindo é uma opinião sobre o corpo de uma mulher. Firme é apenas uma observação. Eles são firmes. Meu Deus!
— Você não toma jeito, — ela disse. — Mas então ela achou você bonitinho, Gordo.
— Legal.
— Não quer dizer nada. O problema é que, se você for falar com ela, vai começar com seus ‘hmm...’, e vai ser um desastre.
— Não seja tão dura com ele, — o Coronel a interrompeu, como se fosse minha mãe. — Santo Deus, eu já entendi a anatomia das baleias. Podemos mudar de assunto, Sr. Melville?
— O Jake vem para Birmingham neste fim de semana, e nós vamos sair num encontro triplo. Bem, triplo e meio, porque o Takumi também vai. Não haverá pressão. E você não terá como estragar tudo porque estarei lá o tempo todo.
— Tudo bem.
— Eu vou com quem? — o Coronel perguntou.
— Com sua namorada.
— Certo, — ele disse, depois acrescentou, sério, — mas nós não nos damos muito bem.
— Sexta-feira está bom? Ou vocês têm algum programa? — E eu ri, porque o Coronel e eu não tínhamos programa nem para aquela sexta-feira nem para nenhuma outra sexta-feira pelo resto de nossas vidas.
— Foi o que eu pensei. — Ela sorriu. — Agora temos de lavar louça no refeitório, Chipper. Santo Deus, os sacrifícios que eu faço!

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