quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Oitenta e quatro dias depois

TODA PRIMAVERA, a escola pegava uma tarde de sexta-feira e chamava os alunos, o corpo docente e os empregados ao ginásio para o Dia do Palestrante. O Dia do Palestrante apresentava dois palestrantes – geralmente celebridades, políticos e acadêmicos de pouca envergadura, o tipo de gente que aceitaria vir até a escola para dar uma palestra pelos míseros trezentos dólares que ela oferecia. Os calouros escolhiam o primeiro palestrante, e os veteranos o segundo, e todos que tinham assistido às palestras sabiam que o evento era dolorosamente chato. Pretendíamos agitar um pouco o Dia do Palestrante.
Só precisaríamos convencer o Águia a permitir que o “Dr. William Morse”, um “amigo do meu pai” e um “proeminente estudioso da sexualidade transgressiva do adolescente”, fosse o palestrante dos calouros.
Então liguei para o trabalho do meu pai. O assistente dele, Paul, perguntou se eu estava bem, e eu me indaguei por que todo mundo, todo o mundo, me perguntava se eu estava bem quando eu ligava em outra hora que não fosse domingo de manhã.
— Estou.
Meu pai atendeu.
— Oi, Miles. Você está bem?
Eu ri e baixei a voz, pois havia gente por perto.
— Estou, pai. Estou bem. Lembra quando você roubou o sino da escola e o enterrou no cemitério?
— Foi o melhor trote da história de Culver Creek, — ele respondeu, orgulhoso.
— Foi, pai. Foi. Escuta, será que você poderia me ajudar com o mais novo melhor trote da história de Culver Creek?
— Hmm, não sei, Miles. Não quero que se meta em confusão.
— Não vou me meter em confusão. Toda a turma de calouros está envolvida. E ninguém vai se machucar nem nada disso. Porque, bem, se lembra do Dia do Palestrante?
— Santo Deus! Era muito chato. Era quase pior do que ter aula.
— Certo, bem, preciso que você finja ser nosso palestrante, o Dr. Willian Morse, professor de psicologia pela Universidade da Flórida e especialista em sexualidade adolescente.
Ele ficou em silencio por um longo tempo. Olhei para baixo, para a última margarida da Alasca, e fiquei esperando que ele me perguntasse qual era o trote. Eu teria contado, mas ele apenas expirou lentamente no telefone e disse:
— Não vou nem perguntar, hmm. — Suspirou. — Jura por Deus que não vai contar para sua mãe?
— Juro. — Fiz uma pausa. Precisei de um segundo para me lembrar do nome verdadeiro do Águia. — O Sr. Starnes vai ligar para você daqui a uns dez minutos.
— Certo, meu nome é Dr. Willian Morse, sou professor de psicologia e – sexualidade adolescente?
— Isso. Você é o máximo, pai.
— Quero só ver se vocês vão conseguir me superar, — ele disse, rindo.
Embora doesse no Coronel, o trote não funcionaria sem o auxilio dos Guerreiro de Dia de Semana – sobretudo do presidente da turma de calouros, Longwell Chase, que, àquela altura, já tinha deixado crescer sua ridícula cabeleira de surfista. Mas os Guerreiros adoraram a ideia, então me encontrei com Longwell em sue quarto e disse:
— Vamos lá.
Longwell Chase e eu não tínhamos assunto e nem queríamos conversar, então caminhamos em silêncio até a casa do Águia. O Águia abriu a porta antes mesmo que pudéssemos bater. Entortou a cabeça ligeiramente quando nos viu, parecendo confuso – de fato éramos uma dupla estranha, com a calça cáqui bem passada e pregueada de Longwell e um jeans azul do tipo um-dia-lavo-essa-roupa.
— O palestrante que escolhemos é amigo do pai do Miles, — Longwell disse. — Dr. William Morse. É professor de psicologia na Flórida, estuda a sexualidade adolescente.
— Estão querendo polêmica?
— Não, não, — eu disse. — Conheço o Dr. Morse. Ele é interessante, mas não é polêmico. Estuda, bem, o modo como o entendimento do sexo pelos adolescentes está mudando e crescendo. Quero dizer, ele é contra o sexo antes do casamento.
— Certo. Qual é o numero dele? — Entreguei um pedaço de papel para o Águia. Ele caminhou até o telefone na parede e discou. — Oi, poderia falar com o Dr. Morse?... Obrigado... Oi Dr. Morse. Estou com Miles Halter aqui em casa, e ele está me dizendo que... ótimo, maravilha... Bem, eu estava me perguntando... — o Águia fez uma pausa, enrolando o fio telefônico em volta do dedo —... bem, estava me perguntando se o senhor não quer, sabe – contanto que entenda que estamos falando de jovens impressionáveis. Não queremos discussões explicitas... Excelente. Excelente. Fico feliz que o senhor tenha compreendido... Para o senhor também. Até breve! — O Águia desligou o telefone, sorrindo, e disse: — Ótima escolha! Ele parece ser muito interessante.
— É sim, — Longwell disse, muito sério. — Acho que ele será extraordinariamente interessante.

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