quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Oito dias depois

TERÇA-FEIRA tivemos nosso primeiro dia de aula. Madame O'Malley pediu um minuto de silêncio no começo da aula de Francês, sempre marcada por longos minutos de silêncio, depois nos perguntou como estávamos nos sentindo.
— Horrível, — uma garota disse.
— En français, — Madame O'Malley respondeu. — En français.
Tudo parecia o mesmo, só que mais quieto; os Guerreiros de Dia de Semana continuavam sentados nos bancos do lado de fora da biblioteca, mas sua fofoca era mais silenciosa e afável. O refeitório se encheu com o barulho das bandejas de plástico chocando-se contra as mesas de madeira e dos garfos raspando nos pratos, mas ninguém conversava. Mais do que o silêncio de todo o mundo, era o silêncio onde ela deveria estar: nossa Alasca contadora de histórias, sempre tão animada e buliçosa. Era como se ela estivesse introspectiva novamente, como se estivesse se recusando a responder aos "comos" e aos "por quês", só que desta vez para sempre.
O Coronel se sentou ao meu lado na aula de Religião, suspirou e disse:
— Está fedendo a cigarro, Gordo.
— Pergunta se eu ligo.
O Sr. Hyde entrou na sala, arrastando os pés, com nossos trabalhos finais amontoados debaixo do braço. Sentou-se, respirando com dificuldade, e começou a falar.
— Há uma lei que diz que os pais não deviam ter de enterrar seus próprios filhos, — ele disse. — Alguém deveria colocá-la em vigor. Neste semestre, continuaremos a estudar as tradições religiosas às quais vocês foram apresentados no outono. Mas estou certo de que as questões sugeridas terão mais urgência agora do que tinham alguns dias atrás. O que acontece quando morremos, por exemplo, não é mais apenas uma questão abstrata de interesse filosófico. É algo que devemos nos perguntar sobre nossa colega. E como viver à sombra do sofrimento deixou de ser um mistério que somente os budistas, os cristãos e os muçulmanos precisam explorar. As questões do pensamento religioso tornaram-se pessoais, eu acho.
Ele folheou rapidamente os trabalhos, empilhados à sua frente, e puxou um deles.
— Tenho aqui o trabalho final da Alasca. Vocês se lembram de que eu tinha pedido que me dissessem qual era a pergunta mais importante para nós, seres humanos, e como as três religiões estudadas respondiam a essa pergunta. Alasca escreveu o seguinte.
Com um gemido, ele se apoiou na cadeira e ficou de pé, depois escreveu na lousa:
Como sairemos deste labirinto de sofrimento? - A.Y.
— Vou deixar isto aqui na lousa pelo resto do semestre, — ele disse. — Pois todos os que já perderam o rumo na vida se sentiram perturbados com a insistência dessa pergunta. Em algum momento, todos nós olhamos em volta e percebemos que estamos perdidos num labirinto. Não quero que esqueçam da Alasca. Não quero que esqueçam de que, mesmo que a matéria pareça chata, estamos procurando entender como as pessoas responderam a essa pergunta e às perguntas que vocês fizeram no trabalho - como as diferentes religiões encaram o que Chip, em seu trabalho, chamou de 'se dar mal na vida'.
Hyde sentou-se.
— Como vocês estão?
O Coronel e eu não dissemos nada, enquanto um monte de gente que não conhecia a Alasca enaltecia suas virtudes e se professava triste com a perda. E, no começo, aquilo me incomodou. Eu não queria que as pessoas que ela não conhecia - e as pessoas das quais ela não gostava - ficassem tristes. Não tinham se importado como ela e, agora, faziam parecer que ela era sua irmãzinha. Mas acho que eu também não a conheci por completo. Se tivesse conhecido, teria sabido o que ela quisera dizer com "Continuamos depois?". E, se eu tivesse me importado tanto quanto deveria, tanto quanto achava que me importava, não a teria deixado ir embora.
Então eles não me incomodaram, sabe. Mas ao meu lado, o Coronel respirava lenta e profundamente pelo nariz como um touro prestes a atacar.
Chegou até a revirar os olhos quando a Guerreira de Dia de Semana Brooke Blakely, cujos pais tinham recebido um relatório de progresso com os cumprimento da Alasca, disse: — Só estou triste porque nunca lhe falei que eu a amava. Não entendo por que isso foi acontecer.
— Mentira! — o Coronel disse enquanto caminhávamos para o refeitório na hora do almoço. — Como se Brooke Blakely se importasse com a Alasca!
— Se Booke Blakely morresse, você não ficaria triste? — perguntei.
— Acho que sim, mas não ia lamentar o fato de nunca ter falado para ela que eu a amava. Não amo. Ela é uma idiota.
Achei que todos tinham desculpas melhores do que as nossas para ficarem tristes - afinal, não tinham sido responsáveis por sua morte -, mas eu sabia que não adiantava conversar com o Coronel quando ele ficava zangado.

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