quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Quarenta e cinco dias depois

POR SEMANAS, o Coronel e eu tivemos de contar com a caridade alheia para sustentar nosso vicio tabagista - tínhamos descolado maços gratuitos ou mais baratos com todos, desde Molly Tan até Longwell Chase, cujo cabelo já tinha crescido. Era como se as pessoas quisessem nos ajudar, mas não conseguiam pensar em algo melhor. Mas, por volta do fim de fevereiro, a caridade se esgotou. Foi até melhor. Não me sentia bem aceitando presentes dos outros, pois eles não sabiam que nós tínhamos carregado a arma que ela tinha nas mãos.
Então, depois da aula, Takumi nos levou de carro até a Coosa.
— Suprimos Suas Necessidades Espirituais — Liquors. Naquela tarde, Takumi e eu tínhamos recebido o resultado desanimador do nosso primeiro teste importante de Pré-Cálculo do semestre. Perigávamos receber relatórios de progresso em casa, talvez porque Alasca já não estivesse disponível para nos ensinar Pré-Cálculo em torno de uma montanha de batatas fritas no Mc Incomível ou talvez porque não tivéssemos estudado nada.
— O problema é que eu não acho Pré-Cálculo muito interessante, — Takumi disse sem entusiasmo.
— O diretor de admissões de Harvard pode ter dificuldades em aceitar esse tipo de explicação, — o Coronel replicou.
— Não sei, — eu disse. — Parece bastante convincente para mim.
Então rimos, mas as risadas se desfizeram num silêncio pesado e difuso, e eu sabia que estávamos todos pensando nela, morta e sem riso, fria, não mais a Alasca. A ideia de que ela pudesse deixar de existir ainda me apavorava toda vez que eu pensava no assunto. Ela está apodrecendo sob o solo de Vine Station, Alabama, pensei, mas também não era bem isso. O corpo dela estava lá, mas ela não estava em lugar nenhum, nada, PUF.
As horas mais divertidas, agora, pareciam sempre preceder de tristeza, pois era justo nos momentos em que a vida voltava a ser o que era quando ela estava entre nós que sentíamos todo o impacto de sua ausência.
Comprei os cigarros. Nunca tinha entrado na Coosa Liquors, mas o lugar era tão desolado quanto Alasca nos fizera crer. O piso de madeira empoeirado rangeu quando me encaminhei para o balcão, e vi um grande barril de água salobra que dizia conter ISCAS VIVAS, quando na verdade continha um cardume de peixinhos mortos boiando. A mulher do outro lado do balcão sorriu para mim com todos os seus quatro dentes quando lhe pedi um pacote Marlboro Lights.
— Estuda em Culver Creek? — ela perguntou e eu fiquei sem saber se lhe dizia a verdade, uma vez que era quase impossível um aluno do Ensino médio ter dezenove anos, mas ela se abaixou, pegou um pacote de cigarros e o colocou em cima da bancada sem pedir identidade, então eu lhe disse:
— Sim, senhora.
— Como vai a escola? — ela perguntou
— Vai bem, — respondi.
— Fiquei sabendo que vocês tiveram uma baixa entre os alunos.
— Sim, senhora.
— Sinto muito, de verdade.
— Obrigado.
A mulher, cujo nome eu não fiquei sabendo, pois aquele não era o tipo de estabelecimento comercial que gastava dinheiro com crachás, tinha um longo fio de cabelo branco que lhe crescia de uma verruga na bochecha esquerda. Não chegava a ser nojento, mas eu não conseguia parar de olhar para aquilo e depois desviar os olhos.
De volta ao carro, entreguei o pacote de cigarros para o Coronel. Abrimos a janela, embora o frio do inverno estivesse congelando o meu rosto e o barulho do vento nos impossibilitasse de conversar. Sentei-me na minha quarta parte do carro e fumei indagando-me por que a velha da Coosa Liquors não tinha simplesmente arrancado o cabelo da verruga. O vento soprava pela janela do Takumi e batia em meu rosto. Cheguei para o lado, colocando-me no meio do banco traseiro e olhei para o Coronel no assento do carona, sorrindo, o rosto voltado para o vento que soprava pela janela.

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