quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Quarenta e nove dias antes

DOIS DIAS DEPOIS, numa segunda-feira — na realidade, o primeiro dia de feriado —, passei a manhã fazendo o trabalho final de Religião e, à tarde, fui até o quarto da Alasca. Ela estava lendo na cama.
— Auden, — ela anunciou. — Quais foram as últimas palavras dele?
— Não sei. Não conheço.
— Não conhece? Pobre menino sem instrução. Olha só esse verso. — Caminhei até ela e olhei para seu dedo indicador. — Amai teu vizinho pervertido/ Com vosso pervertido coração, — li em voz alta. — Legalzinho, — eu disse.
— Legalzinho? Claro, bufritos são gostosinhos. Sexo é divertidinho. O sol  perfeito.
— É. — Eu assenti com a cabeça, pouco entusiasmado.
— Você não tem jeito. Quer procurar uns filmes pornôs?
— Quê?
— Não podemos amar nossos vizinhos se não soubermos quão pervertidos são seus corações. Não gosta de pornografia? — ela perguntou sorrindo.
— Hmm, — eu respondi. A verdade era que eu não tinha visto muitos filmes pornôs, mas a perspectiva de ver filmes pornôs com a Alasca parecia interessante.
Começamos pela ala dos quartos 50 e tantos e fomos caminhando sentido anti-horário em torno do hexágono — ela abria as janelas dos fundos enquanto eu ficava de olho para ver se alguém estava passando.
Eu nunca tinha entrado em tantos quartos diferentes. Depois de três meses, eu conhecia a maioria das pessoas, mas não falava com todo o mundo — apenas com o Coronel, a Alasca e o Takumi, para ser sincero. Mas, em poucas horas, passei a conhecer meus colegas muitíssimo bem.
Wilson Carbod, o segundo pivô dos Nada de Culver Creek, tinha hemorroidas ou, pelo menos, escondia a pomada para hemorroidas na última gaveta da escrivaninha. Chandra kilers, uma garota bonitinha que amava Matemática de maneira um tanto excessiva e que Alasca acreditava ser a futura namorada do Coronel, colecionava bonecas. Não estou dizendo que ela colecionava quanto tinha, tipo, cinco anos. Ela colecionava agora — dezenas delas —, negras, brancas, latinas e asiáticas, meninos e meninas, bebês vestidos como fazendeiros e futuros empresários. Holly Moser, uma Guerreira de Dia de Semana do último ano, gostava de se desenhar nua com carvão, representando suas formas rotundas em toda sua largura.
Fiquei impressionado com a quantidade de pessoas que tinham bebida. Até mesmo os Guerreiros de Dia de Semana, que podiam ir para casa todo fim de semana, escondiam cerveja e outras bebidas nos lugares mais diversos, desde assentos de banheiro até cestos de roupa suja.
— Meu Deus, eu podia ter dedurado qualquer um, — Alasca disse suavemente enquanto desenterrava uma garrafa de um litro de cerveja Magnum do closet de Longwell Chase. E eu me perguntei por que ela tinha escolhido o Paul e a Marya.
Alasca descobria os segredos de outros tão depressa que fui levado a pensar que ela já tinha feito isso antes, mas ela não poderia ter sabido os segredos de Ruth e Margot Blowker, as gêmeas do nono ano que eram novas na escola e que pareciam se socializar ainda menos do que eu. Depois de entrar pela estreita abertura da janela, Alasca fez uma busca rápida e foi até a estante de livros. Olhou para o móvel, desconfiada, puxou a Bíblia do Rei Jaime e ali atrás — uma garrafa de Maui Wowie.
— Bem pensado, — ela disse, girando a tampa. Bebeu tudo em dois longos tragos, depois anunciou: — Maui WOWIE!
— Vão saber que você entrou no quarto! — eu gritei.
Seus olhos se arregalaram.
— Ah! Você está certo, Gordo! — ela disse. — Elas vão reclamar com o Águia que alguém roubou o vinho delas! — Depois riu e se inclinou para sair pela janela, atirando a garrafa vazia no gramado.
Encontramos muitas revistas pornográficas enfiadas desleixadamente entre a armação das camas e os colchões. Hank Walsten, por sinal, gostava de algo mais do que basquete e maconha: gostava da revista Peitões. Mas só fomos achar um filme no Quarto 32, ocupado por dois garotos do Mississippi chamados Joe e Marcus. Eles estavam em nossa aula de Religião e, às vezes, almoçavam comigo e com o Coronel, mas eu não os conhecia muito bem.
Alasca leu a etiqueta na fita.
— As putas de Madison. Que maravilha.
Fomos correndo para a sala de tevê, fechamos as persianas, trancamos a porta e colocamos o filme. Começava com uma mulher de pé numa ponte, as pernas abertas enquanto um cara lhe fazia sexo oral. Acho que não havia tempo para diálogos. Quando eles começaram a transar, Alasca mostrou toda sua justificada indignação.
— Eles simplesmente não conseguem fazer com que o sexo pareça divertido para a mulher. A garota é só um objeto. Olha! Olha!
Eu já estava olhando, é claro. Uma mulher ficou de quatro, apoiando-se nas mãos e nos joelhos, enquanto um cara se ajoelhava atrás dela. Ela dizia  — Isso! Isso! — e gemia, e, embora seus olhos, castanhos e vazios, traíssem sua falta de interesse, eu não pude deixar de tomar algumas notas mentais. Colocar as mãos nos ombros dela, observei. Rápido, mas não rápido demais para não acabar rápido demais. Procurar gemer um pouco.
Como se tivesse lendo meus pensamentos, ela disse:
— Credo, Gordo. Nunca seja tão violento. Isso machuca. Parece uma tortura. E ela não faz nada? Fica ali parada, só levando? Isso não é um homem e uma mulher. É um pênis e uma vagina. Onde está o erotismo? Onde estão os beijos?
— Dada a posição deles, acho que não vão conseguir se beijar, — observei.
— É o que eu estou tentando dizer. Essa posição em si já é uma objetificação. Ele nem consegue olhar para o rosto dela! É isso o que acontece com algumas mulheres, Gordo. Essa mulher é filha de alguém. É isso o que vocês nos obrigam a fazer por dinheiro.
— Bem, eu não, — disse defensivamente. — Tecnicamente, não. Eu não faço filmes pornográficos.
— Olhe nos meus olhos e diga que isso não deixa você excitado, Gordo.
Não consegui. Ela riu. Era normal, ela disse. Saudável. Então se levantou, parou a fita, deitou de bruços no sofá e resmungou alguma coisa.
— O que disse? — perguntei caminhando até ela e colocando a mão nas suas costas, na região da cintura.
— Shhhh, — ela disse. — Estou dormindo.
Simples assim. De centenas de quilômetros por hora ao repouso em um nano segundo. Eu queria tanto me deitar ao lado dela, envolvê-la nos meus braços e adormecer. Não queria transar, como nos filmes. Nem mesmo fazer amor. Só queria dormir com ela, no sentido mais inocente da palavra. Mas eu não tinha coragem. Ela tinha namorado. Eu era um palerma. Ela era apaixonante. Eu era irremediavelmente sem graça. Ela era infinitamente fascinante. Então voltei para o meu quarto e desabei no beliche de baixo, pensando que, se as pessoas fossem chuva, eu era garoa e ela, um furacão.

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