quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Quarenta e quatro dias antes

— A 'COOSA LIQUORS' SOBREVIVE de vender cigarros para os adolescentes e bebidas para os adultos. — Alasca olhava para mim com uma frequência desconcertante enquanto dirigia, ainda mais porque estávamos separado por uma estrada estreita e montanhosa ao sul da escola, a caminho da mencionada “COOSA LIQUORS”. Era um sábado, nosso último dia de feriado, tirando o domingo, quando já não fazíamos nada. — E isso é ótimo pra quem quer comprar cigarros. Mas nós queremos bebida. E eles pedem carteira de identidade. A minha não presta. Mas vou dar um jeito, vou jogar um charme. — Ela dobrou a esquerda de repente, sem fazer sinal, e entrou numa ruazinha que descia precipitosamente uma montanha ladeada por campos. Segurou firme no volante enquanto ganhávamos velocidade e esperou até o último momento para pisar no freio, pouco antes de chegarmos ao pé da montanha. Havia um posto de gasolina desativado, todo feito de madeira, com um letreiro no telhado se lia: COOSA LIQUORS: SUPRIMOS SUAS NECESSIDADES ESPIRITUAIS.
Alasca entrou sozinha e saiu cinco minutos depois, carregando dois pesados sacos de papel cheio de contrabando: três pacotes de cigarro, cinco garrafas de vinho e uma de vodca para o Coronel. Voltando para casa, ela disse: — Gosta daquelas piadas de toc toc?
— Piadas de 'toc toc'? — perguntei. — Esta falando daquelas, tipo, 'toc toc'?
— Quem é? — Alasca respondeu.
— É o Eto.
— Que Eto?
— Esta bem, não falo mais, — eu disse por fim. Muito bobo.
— Genial, — disse Alasca. — Eu tenho uma. Você começa.
— Certo. Toc toc.
— Entra, — disse Alasca.
Olhei para ela, confuso. Depois de um tempo, entendi a brincadeira. Acabei rindo.
— Minha mãe me contava essa quando eu tinha 6 anos. Ainda é engraçada.



Então tomei um susto quando ela entrou aos prantos em meu quarto. Eu estava terminando o trabalho final de inglês. Ela se sentou no sofá, cada respiração uma mistura de gemido e grito.
— Desculpa, — disse, soluçando. Um fio de meleca lhe escorria pelo queixo.
— O que aconteceu? — Perguntei. Ela pegou um lenço de papel na MESA DO CENTRO e enxugou o rosto.
— Não... — ela começou, então lhe veio um soluço grande como um tsunami, um choro tão estridente e infantil que me assustava. Eu me levantei e me sentei ao seu lado, passando o braço por cima de seus ombros. Ela se afastou, enfiando o rosto na espuma do sofá. — Não entendo porque sempre estrago tudo, — ela disse.
— Esta falando da Marya? Acho que você ficou com medo, só isso.
— O medo não é uma boa desculpa! — ela gritou para o sofá. — O medo é a desculpa que todo mundo sempre dá! Eu não sabia quem era “todo mundo”, nem quanto tempo era “sempre”, e, por mais que quisesse entender suas ambiguidades, aquela vagueza estava me deixando irritado.
— Porque ficou chateada com isso agora?
— Não é só isso. É tudo. Eu contei para o Coronel no carro. — Ela deu uma fungada, mas os soluços pareciam ter acabado. — Enquanto você dormia no banco de trás. E ele disse que ia ficar de olho em mim durante os trotes. Que não podia confiar em mim. Eu não o culpo. Nem mesmo eu confio em mim.
— Você foi corajosa de contar para ele, — eu disse.
— Eu sou corajosa, mas não quando me interessa. Você vai... hmm. — Ela se aprumou no sofá e chegou perto de mim. Eu levantei o braço quando ela desabou no meu peito magricelo e recomeçou a chorar. Eu me sentia mal por ela, mas era sua culpa. — Eu não precisava ter dedurado.
— Não quero te deixar chateada, mas acho que você deveria nos contar porque dedurou a Marya. Estava com medo de voltar pra casa ou algo assim?
Ela se afastou de mim e me lançou um olhar do juízo final que teria deixado o Águia orgulhoso. Tive a impressão de que ela me odiava minha pergunta, ou os dois, então ela desviou o olhar para o campo de futebol, do outro da janela, e disse: — Não tenho casa.
— Bem, você tem uma família, — eu disse, recuando. Ela tinha me falado sobre a mãe naquela mesma manhã. Como é que a garota da piada tinha se tornado aquela coisa chorosa em apenas três horas?
Ainda se encarando ela disse: — Eu tento ser corajosa, sabe. Mesmo assim continuo estragando tudo. Continuo fazendo merda.
— Tudo bem — eu lhe disse. — Está tudo bem. — Eu não fazia ideia que ela estava falando. Uma noção vaga atrás da outra.
— Sabe quem você ama, Gordo? Você ama a garota que faz você rir, que vê filmes pornográficos e bebe com você. Mas não a garota tristonha, mal-humorada, maluca.
E ela tinha razão.

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