quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Seis dias depois

NAQUELE DOMINGO, acordei depois de três horas de sono e fui tomar meu primeiro banho em alguns dias. Vesti meu único terno. Quase não o trouxera, mas minha mãe insistira em que nunca se sabe quando vamos precisar de um terno, e ela estava certa.
O Coronel não tinha terno e, por causa da baixa estatura, não podia pegar um emprestado com outro colega, então vestiu calças pretas largas e uma camisa social cinzenta.
— Será que posso usar a gravata dos flamingos? — ele perguntou, calçando meias pretas.
— É um pouco alegre demais para a ocasião, — respondi.
— Não serve para a ópera, — disse o Coronel, quase sorrindo. — Não serve para o funeral. Não serve para eu me enforcar. É meio inútil como gravata.
Emprestei-lhe uma das minhas.
A escola tinha fretado alguns ônibus para levar os alunos para o norte do estado, para a cidade da Alasca, Vine Station, mas Lara, o Coronel, Takumi e eu viajamos no utilitário esportivo do Takumi, pegando as estradas secundárias para não termos de passar pelo local. Fiquei olhando pela janela do carro, observando enquanto o subúrbio de Birmingham se transformava aos poucos nas colinas suaves e nos campos do norte do Alabama.
No banco da frente, Takumi contou para Lara sobre o garoto que tinha buzinado o peito da Alasca no verão. Ela riu. Aquele tinha sido nosso primeiro encontro, e agora estávamos nos encaminhando para o último. Acima de tudo, eu sentia a injustiça daquilo, a inegável injustiça de amar alguém que talvez também me amasse, mas que agora não podia fazer nada porque estava morta. Inclinei-me para a frente, a testa nas costas do assento do motorista, e chorei, choraminguei. O que estava sentindo não era bem tristeza, era dor. Aqui doía, e não é um eufemismo. Doía como uma surra.
As últimas palavras de Meriwether Lewis foram: "Não sou covarde, sou forte demais. É difícil morrer." Não duvido que seja, mas não pode ser muito pior do que ser deixado para trás. Eu pensava em Lewis enquanto seguia Lara para o interior da capela em formato de "A" anexado ao prédio de um só andar da funerária de Vine Station, Alabama, uma cidade tão deprimida e deprimente quanto Alasca nos fizera crer. O lugar cheirava a mofo e desinfetante e o papel de parede amarelo do vestíbulo estava descascando nos cantos.
— Estão aqui por causa da Srta. Young? — alguém perguntou ao Coronel. Ele assentiu com a cabeça, e fomos conduzidos a um cômodo amplo com fileiras de cadeiras dobráveis ocupadas por um único homem. Ele estava ajoelhado diante do caixão, perto do altar. O caixão estava fechado. Fechado. Eu nunca mais a veria. Não poderia lhe beijar a testa. Não poderia vê-la uma última vez. Mas eu precisava, precisava vê-la, por isso perguntei alto demais, — Por que está fechado? — e o homem cuja pança se projetava do terno apertado virou e caminhou em minha direção.
— A mãe dela, — disse. — A mãe dela foi velada num caixão aberto, então Alasca me pediu: ‘Não deixe que eles me vejam morta, papai', e foi isso. Além do mais, filho, ela não está mais ali dentro, ela está com o Senhor.
E colocou as mãos em meus ombros, aquele homem que tinha engordado desde a última vez que precisara vestir um terno. Eu não podia acreditar no que tinha feito com ele, seus olhos verdes e cintilantes como os da Alasca, porém afundados nas órbitas escuras como um fantasma de olhos verdes que ainda respirava. Por favor, Alasca, não morra, por favor. Não morra. Desvencilhei-me dele, caminhei até o caixão, passando por Lara e Takumi, ajoelhei-me e coloquei as mãos sobre a madeira polida, o mogno escuro da cor de seus cabelos. Senti as mãos pequenas do Coronel em meu ombro. Uma lágrima pingou em minha cabeça, e, por um breve instante, éramos apenas nós três - os ônibus com nossos colegas ainda não tinham chegado, Takumi e Lara tinham desaparecido no plano de fundo, e ficamos apenas nós três -, três corpos, duas pessoas - os três que sabiam o que havia acontecido, separados por uma quantidade excessiva de camadas e de coisas que nos afastavam um do outro. O Coronel disse:
— Queria tanto poder salvá-la.
E eu:
— Chip, ela se foi.
E ele:
— Pensei que ia sentir a presença dela aqui, olhando por nós, mas você está certo. Ela se foi.
E eu:
— Ai, meu Deus! Alasca, eu te amo, eu te amo.
Então o Coronel sussurrou:
— Sinto muito, Gordo. Sei que você a amava.
E eu:
— Não. Não no pretérito. — Ela já não era uma pessoa, era um monte de carne em decomposição, mas eu a amava no presente. O Coronel se ajoelhou ao meu lado, levou os lábios ao caixão e sussurrou:
— Sinto muito, Alasca. Você merecia um amigo melhor.
Será que é tão difícil morrer, Sr. Lewis? Será que esse labirinto é tão pior do que este daqui?

Nenhum comentário:

Postar um comentário