quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Sessenta e dois dias depois

NO DOMINGO SEGUINTE, dormi até a luz do final da manhã se fragmentar na persiana e bater no meu rosto. Puxei o edredom sobre a cabeça, mas o ar ficou quente e rançoso, então me levantei para ligar para os meus pais.
— Miles! — minha mãe disse antes mesmo que eu pudesse lhe dizer um oi. — Compramos um identificador de chamadas.
— E, por acaso, ele é mágico para adivinhar que sou eu ligando do telefone público?
Ela riu.
— Não, apenas diz ‘telefone público’ e o código da região. Então deduzi. Como você está? — ela perguntou, um tom caloroso de preocupação em sua voz.
— Mais ou menos. Relaxei em algumas matérias por um tempo, mas já voltei a estudar, então acho que vai ficar tudo bem, — eu disse, e isso em grande parte era verdade.
— Sei que tem sido difícil para você querido, — ela disse. — Ah! Adivinha quem eu e seu pai encontramos numa festa ontem à noite? A Sra. Forrester. Sua professora de quarto ano! Está lembrado? Ela se lembrou direitinho de você, fez muito elogios. Ficamos conversando... — e , embora eu tivesse ficado feliz em saber que a Sra. Forrester admirava o Miles da quarta série, escutei sem prestar muita atenção enquanto lia os recados rabiscados na parede branca em torno do aparelho, procurando por novos recados para decodificar (Lacy´s – Sexta, 10 era o onde e o quando de uma festa dos Guerreiros de Dia De Semana, imaginei) —... então fomos jantar com os Johnston ontem à noite. Acho que seu pai bebeu vinho demais. Brincamos de mímica e ele foi simplesmente horrível. — Ela riu, e eu me senti cansado, mas alguém tinha empurrado o banco para longe do telefone, então sentei no meu traseiro magro na dura superfície de concreto, retesando o fio prateado. E estava me preparando para mais um solilóquio da minha mãe, quando reparei que, embaixo de todos os outros recados e rabiscos, havia uma florzinha desenhada. Doze pétalas oblongas em torno de um círculo pintado de preto em contraste com a parede branca como... Margarida. Margaridas brancas. Podia ouvir sua voz: O que você está vendo, Gordo? Preste atenção, e eu a ví bêbada, sentada no chão perto do telefone, jogando conversa fora com o Jake: Está fazendo o quê?, e ela: Nada, desenhando, desenhando. Então, Meu Deus!
— Miles?
— Oi, desculpa, mãe. Desculpa. O Chip está aqui. Vamos estudar. Preciso ir.
— Liga depois? Estou certa de que seu pai também quer falar com você.
— Ligo, mãe; ligo, claro. Eu te amo, viu? Certo, preciso ir. Acho que encontrei uma coisa! — gritei para o Coronel, invisível debaixo do cobertor, mas a urgência da minha voz e a perspectiva de termos encontrado alguma coisa, qualquer coisa, fez o Coronel despertar imediatamente e saltar da cama para o piso de linóleo. Antes que eu pudesse lhe explicar a situação, ele pegou a calça jeans e o moletom do dia anterior, vestiu-se e saiu comigo.
— Olha, — eu apontei. Ele se agachou ao lado do telefone e disse: — É. Foi ela que fez. Ela gostava de desenhar flores assim.
— E o ‘Nada, desenhando’, lembra? O Jake perguntou o que ela estava fazendo e ela disse: ‘Nada, desenhando’, depois: ‘Meu Deus!’ e surtou. Deve ter olhado para o desenho e se lembrado de alguma coisa.
— Pode ser, — ele disse, olhando para as flores, talvez querendo enxergá-las como ela tinha enxergado. Então se levantou e disse: — É uma teoria muito boa, Gordo, — ergueu o braço e deu um tapinha nas minhas costas, como um treinador cumprimentando um jogador. — Mas ainda não sabemos o que ela esqueceu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário