quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Sessenta e nove dias depois

UMA SEMANA DEPOIS da descoberta da flor desenhada, eu já tinha me resignado à sua irrelevância – eu não era Banzan no açougue, afinal -, e, quando os bordos ao redor do campus começaram a dar indícios de uma ressurreição e os empregados da escola começaram a aparar a grama do círculo dos dormitórios, tive a impressão de que a perdera para sempre.
O Coronel e eu caminhamos pela floresta perto do lago naquela tarde e fumamos um cigarro no lugar exato onde o Águia tinha nos pegado havia tantos meses. Tínhamos acabado de sair de uma assembleia, na qual o Águia nos comunicou que a escola ia construir um parquinho perto do lago em memória da Alasca. Ela gostava do balanço, é verdade, mas um parquinho? Lara se levantou na assembleia – certamente um marco para ela – e sugeriu que fizéssemos algo mais divertido, algo que a própria Alasca teria feito.
Então, perto do lago, sentado num tronco coberto de musgo e meio apodrecido, o Coronel me disse:
— Lara está certa. Devíamos fazer algo para ela. Um trote. Algo que ela teria adorado.
— Como um trote-memorial?
— Isso. O Trote-Memorial Alasca Young. Podemos realizá-lo anualmente. Bem, no ano passado ela teve uma ideia. Mas queria guardar para o último ano. Mas é uma ideia muito boa. Muito boa mesmo. Histórica.
— Vai me contar o que é? — perguntei, lembrando que ele e a Alasca tinham me excluído do planejamento da Noite do Celeiro.
— Claro, — ele disse. — O trote se chama ‘Subvertendo o Paradigma Patriarcal’. — Então me explicou como seria. Devo dizer que a Alasca tinha nos deixado as joias da rainha dos trotes, a Mona Lisa das brincadeiras de escola, o ponto máximo de gerações de trotes em Culver Creek, e era exatamente isso o que Alasca merecia. E, o melhor de tudo, o trote não envolvia, tecnicamente, nenhuma ofensa punível com expulsão.
O Coronel ficou de pé e espanou o pó e o musgo de sua calça.
— Acho que devemos isso a ela.
Eu estava de acordo, mas ainda achava que ela nos devia uma explicação. Quer estivesse lá em cima, lá em baixo, lá fora ou em qualquer outro lugar, talvez ela desse uma risada. E talvez – talvez – nos desse a pista que tanto precisávamos.

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