quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Últimas palavras sobre últimas palavras

COMO MILES “GORDO” HALTER, sou fascinado por últimas palavras. No meu caso, tudo começou quando eu tinha doze anos. Estava lendo um livro didático de História, quando encontrei as últimas palavras do presidente John Adams: “Thomas Jefferson continua vivo.” (Não era verdade. Jefferson tinha morrido horas antes naquele mesmo 4 de julho de 1826; as últimas palavras de Jefferson foram: “Hoje é dia 4?”)
Não sei dizer ao certo por que continuei interessado em últimas palavras ou por que jamais deixei de procurar por elas. Eu realmente amei as últimas palavras de John Adams quando tinha doze anos. Mas também amei uma garota chamada Whitney. A maioria dos amores não dura tanto tempo. (O de Whitney certamente não durou. Nem mesmo me lembro de seu sobrenome.) Mas alguns duram.
Outra coisa que também não sei dizer ao certo é se todas as últimas palavras citadas neste livro são definitivas. Quase por definição, elas são difíceis de verificar. As testemunhas se entregam à emoção; o tempo se confunde; quem falou já não está mais aqui para esclarecer eventuais equívocos. Procurei ser preciso, mas não é de espantar que haja controvérsia quanto às duas citações mais importantes de Quem é você, Alasca?.

SIMÓN BOLÍVAR

“Como sairei deste labirinto?”
Na verdade, é muito provável que as últimas palavras de Simón Bolívar não tenham sido “Como sairei deste labirinto?” (embora ele tenha dito isso historicamente). As últimas palavras dele podem ter sido “José! Traga as malas. Não nos querem por aqui.” Minha fonte para “Como sairei deste labirinto?” é a mesma de Alasca, ou seja, O general no seu labirinto, de Gabriel García Márquez.

FRANÇOIS RABELAIS

“Saio em busca de um Grande Talvez.”
Creditam-se a François Rabelais quatro “últimas palavras” alternativas. The Oxford Book of Death dia que suas últimas palavras foram: (a) “Saio em busca de um Grande Talvez”; (b) (após ter recebido a extrema-unção) “Estou engraxando minhas botas para uma última viagem”; (c) “Fechem as cortinas; a farsa chegou ao fim”; (d) (cobrindo-se com seu domino, ou manto com capuz) “Beati qui in Domino moriantur.” Essa última, por acaso, é um trocadilho¹, mas, como está em latim, não é muito citada. De todo modo, repudio a alternativa (d) porque acho difícil de imaginar que François Rabelais, morrendo, tivesse energia para fazer um trocadilho tão desgastante fisicamente, em latim. A citação mais comum é a (c), porque é engraçada, e todo o mundo gosta de últimas palavras engraçadas.



1. Significa tanto “Abençoados os que morrem com o Senhor” e “Abençoados os que morrem com um manto.”

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