quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Último dia

NA MANHÃ DO DIA SEGUINTE, a primeira segunda-feira do novo semestre, o Coronel saiu do chuveiro no exato instante em que meu despertador tocou.
Enquanto eu calçava o tênis, Kevin bateu uma vez, abriu a porta e entrou.
 Ficou bonito, — o Coronel disse casualmente.
Kevin tinha raspado a cabeça, dois tufos de cabelo azul acima da orelha, rentes ao crânio. Ele projetou o maxilar para a frente - a primeira cuspida da manhã. Caminhou até a MESA DE CENTRO, pegou uma latinha de Coca-Cola e cuspiu.
 Por pouco vocês não me pegam. Vi a tinta no condicionador e enfiei a cabeça debaixo da água. Mas não reparei no gel. Não aconteceu nada com o cabelo do Jeff. Mas o Longwell e tivemos de adotar esse visual militar. Graças a Deus, tenho uma maquina de cortar cabelo.
 Ficou bem em você, — eu disse, mas não tinha ficado.
O cabelo à escovinha acentuava-lhe os traços do rosto, principalmente os olhos miúdos e juntos, que se ressentiam da maior exposição. O Coronel estava se esforçando para parecer corajoso - pronto para qualquer reação de Kevin -, mas é difícil parecer corajoso quando você está vestindo apenas uma toalha cor de laranja.
 Trégua?
 Bem, sinto dizer que seus problemas ainda não acabaram, — o Coronel disse, referindo-se aos relatórios de progresso enviados-mas-ainda-não-recebidos.
 Tudo bem. Você é que sabe. Então nos falamos quando isso acabar, eu acho.
 Acho que sim, — o Coronel disse.
Quando Kevin ia saindo, o Coronel disse:
 Leva essa latinha cuspida, seu porco nojento!
Kevin saiu e fechou a porta. O Coronel pegou a latinha, abriu a porta e a atirou em Kevin - errando-o por muito.
 Credo, pega leve com ele.
 Ainda não temos uma trégua, Gordo.
Passei a tarde com a Lara. Éramos um casal fofo, embora não soubéssemos nada um sobre o outro e conversássemos muito pouco. Mas nos beijávamos. Ela apertou minha bunda em dado momento, e eu meio que dei um pulo. Estava deitado, mas dei um pulo mesmo assim, tanto quanto era possível para uma pessoa deitada, e ela disse:
 Desculpa.
E eu:
 Não, tudo bem. Só está um pouco dolorida por causa do cisne.
Fomos juntos para a sala de tevê, e eu tranquei a porta.
Estávamos vendo a Família-Sol-Lá-Si-Dó, que ela nunca tinha visto. O episódio, no qual os Brady visitavam uma cidade fantasma com uma mina de ouro desativada e eram presos na única cela da cadeia por um velho minerador enlouquecido com uma barba branca desalinhada, era particularmente ruim e nos deu bastante motivos para rir. O que era bom, uma vez que não tínhamos muito sobre o que falar.
Quando os Brady foram trancafiados na cadeia, Lara me perguntou do nada:
 Já fizeram um boquete éém você?
 Hmm, isso foi meio aleatório, — eu disse.
 Aleatório?
 E, sabe, veio do nada.
 Do nada?
 E, foi inesperado. Por que você disse isso?
 É que eu nunca fiz um boquete, — ela respondeu, a pequena voz transbordando de sensualidade.
Era tão sem-vergonha. Pensei que ia explodir. Nunca pensei. Bem, ouvir aquilo da Alasca era uma coisa. Mas aquela voz, tão fininha e meiga, com sotaque romeno, de repente ficar sexy daquele jeito...
 Não, — eu disse. — Nunca fizeram.
 Acha que seria divertido?
SE EU ACHO?!?!?!?!
 Hmm. Acho que sim. Mas não precisa fazer.
 Acho que eu quero, — ela disse, e nos beijamos um pouco.
Então, comigo sentado no sofá assistindo à Família-Sol-Lá-Si-Dó, vendo Marcia Marcia Marcia fazer suas travessuras, Lara desabotoou minha calça, arriou um pouco minha cueca samba-canção e puxou meu pênis para fora.
 Uau, — ela disse.
 O que foi?
Ela olhou para mim, mas não se mexeu, sue rosto a milímetros do meu pênis.
 É estranho.
 Como assim estranho?
 Grande, eu acho.
Eu podia viver com esse tipo de estranheza. Então ela o envolveu com a mão e o colocou na boca. E esperou. Nós dois ficamos parados. Ela não moveu um músculo sequer em seu corpo, e eu não movi um músculo no meu. Eu sabia que, áquela altura, algo mais deveria estar acontecendo, só não tinha certeza do quê.
Ela ficou parada. Eu podia sentir sua respiração nervosa. Por alguns minutos, tempo suficiente para os Brady roubarem a chave e saírem da cadeia da cidade-fantasma, ela ficou ali, absolutamente imóvel, com meu pênis na boca, e eu permaneci sentado, esperando. Então ela o tirou da boca e olhou para mim curiosamente.
 Eu preciso fazer alguma coisa?
 Hmm. Não sei, — eu disse.
De repente, tudo o que eu tinha aprendido assistindo a filmes pornôs com a Alasca sumiu do meu cérebro. Pensei que, talvez, ela devesse movimentar a cabeça para cima e para baixo, mais isso não a sufocaria? Então não disse nada.
 Quer que eu morda?
 Não! Quero dizer, sei lá, acho que não. Acho que, bem, isso foi legal. Foi gostoso. Não sei se tem que fazer mais alguma coisa...
 Mas, béém, você não...
 Hmm. Talvez devêssemos perguntar para a Alasca.
Então fomos ao quarto dela e perguntamos para a Alasca. Ela riu, riu e riu. Sentada na cama, ela riu até chorar. Foi até o banheiro, voltou com um tudo de pasta de dente e nos mostrou como se fazia. Em detalhes. Nunca desejei tanto ser a Crest Complete.
Lara e eu fomos agora para o quarto dela, e ela fez exatamente o que Alasca mandou fazer, e eu fiz exatamente o que Alasca disse que eu faria, ou seja, explodi em centenas de pequenas mortes de prazer, os punhos fechados, o corpo tremendo.
Era meu primeiro orgasmo com uma garota. Depois fiquei envergonhado e nervoso. Lara obviamente também ficou, mas quebrou o silêncio, perguntando:
 Quer fazer o dever de casa?
Havia pouca coisa para fazer no primeiro dia do semestre, mas ela leu um texto para a aula de Inglês. Eu peguei uma biografia do revolucionário Che Guevara - cujo rosto adornava um pôster na parede - na estante de livros da colega de Lara. Depois me deitei ao seu lado, no beliche debaixo. Comecei pelo fim, como costumava fazer com as biografias que não pretendia ler, e achei suas últimas palavras com certa facilidade.
Capturado pelo exército boliviano, Guevara disse: "Atire covarde. Vai matar somente um homem."
Lembrei-me das palavras de Simón Bolívar no romance de García Márquez - "Como sairei deste labirinto?"
Os revolucionários sul-americanos, pelo jeito, morriam com estilo. Li as últimas palavra para Lara. Ela se virou de lado, pousando a cabeça em meu peito.
 Por que gosta tanto de últimas palavras?
Por mais estranho que possa parecer, eu nunca tinha pensado nisso.
 Não sei, — respondi, colocando a mão em suas costas, na altura da cintura. —Às vezes, porque é engraçado. Tipo, na Guerra de Secessão, um general chamado Sedgwick disse: 'Eles não conseguiriam acertar um elefante dessa dist...' e tomou um tiro. — Ela riu. — Mas, na maioria das vezes, as pessoas morrem como viveram. Então suas últimas palavras me dizem muito sobre quem elas foram e o que fizeram em vida para merecer uma biografia. Faz sentido?
 Faz, — ela disse.
 Faz? — Só isso?
 Faz, — ela disse e continuou lendo.
Eu não sabia como falar com ela. E estava cansado demais para continuar tentando, então, depois de um tempo, levantei-me e fui embora. Dei-lhe um beijo de boa-noite. Isso, pelo menos, eu podia fazer.
Busquei Alasca e o Coronel em nosso quarto, e caminhamos até a ponte, onde lhes contei, em detalhes, o embaraçoso fiasco do sexo oral.
 Não acredito que ela fez dois boquetes em você no mesmo dia, — o Coronel disse.
 Na verdade, foi um só, — Alasca corrigiu.
 Que seja. Mas trocaram o óleo do Gordo.
 Pobre Coronel, — Alasca disse com um sorriso pesaroso. — Eu até faria um boquete em você por pena, mas acontece que eu realmente gosto do Jake.
 Isso foi estranho, — o Coronel disse. — Pensei que você só flertasse com o Gordo.
 Mas o Gordo tem namoraaaaaaaaaaaada. — Ela riu.
Naquela noite, o Coronel e eu fomos até o quarto da Alasca para comemorar o sucesso da Noite do Celeiro. Ela e o Coronel tinham comemorado bastante nos últimos dias. Eu não estava com vontade de beber Strawberry Hill, então simplesmente fiquei sentado e mordisquei um pretzel enquanto Alasca e o Coronel bebiam vinho em copos de papel floridos.
 Hoje não vamos beber do gargalo, — o Coronel disse. — Vamos dar um toque de classe!
 É o modo como bebemos aqui no Alabama, — Alasca replicou. — Esta noite, vamos mostrar para o Gordo como é a vida no sul: vamos beber copo a copo até o pior bebedor cair.
E foi o que fizeram, pausando apenas para apagar as luzes às 23h para o Águia não aparecer de repente. Conversaram um pouco, mas, na maior parte do tempo, apenas beberam. E eu me ausentei da conversa, semicerrando os olhos na escuridão para enxergar a lombada dos livros da Biblioteca da Vida da Alasca. Mesmo sem os livros perdidos na microenchente, eu poderia ficar ali a noite inteira lendo os títulos empilhados de maneira desorganizada.
Um vaso de plástico com uma dúzia de tulipas brancas tinha sido colocado perigosamente em cima de uma pilha de livros, e, quando eu lhe perguntei o que era aquilo, ela disse apenas:
 Aniversário de namoro com o Jake.
Não quis continuar naquela linha de diálogo, então me voltei novamente para os títulos. Estavam me indagando como é que eu poderia saber as últimas palavras de Edgar Allan Poe (por sinal: "Deus ajude minha pobre alma!") quando ouvi Alasca dizer:
 O Gordo não está prestando atenção.
Eu disse:
 Estou sim.
 Estávamos falando sobre Verdade ou Consequência. O que você acha? É coisa de sétima série ou ainda é legal?
 Nunca brinquei, — eu disse. — Não tinha amigos na sétima série.
 Para mim chega! — ela gritou, um pouco alto demais, visto que estava tarde e que ela estava bebendo acintosamente no quarto. — Verdade ou Consequência!
 Tudo bem, — concordei, — mas não vou beijar o Coronel.
O Coronel estava sentado num canto, todo curvado.
 Não dá. Estou bêbado demais.
Alasca começou.
 Verdade ou Consequência, Gordo?
 Consequência.
 Me beija.
Então a beijei.
Foi rápido. Eu ri, parecendo nervoso. Ela se inclinou para a frente, entortou a cabeça para o lado, e nos beijamos. Nenhuma camada entre nós. Nossas línguas dançando para lá e para cá até nossas bocas desaparecerem individualmente e se fundirem num emaranhado único de bocas. Ela tinha gosto de cigarro, Mountain Dew, vinho e batom. Sua mão encontrou meu rosto, e senti seus dedos macios percorrerem meu queixo. Nós nos deitamos enquanto nos beijávamos, ela em cima de mim, e comecei a me mexer embaixo dela. Afastei-me rapidamente para dizer:
 O que está acontecendo?
Ela colocou o dedo na frente da boca, e tornamos a nos beijar. Pegou minha mão e a colocou em sua barriga. Mexi o corpo lentamente em cima dela e senti que ela arqueava as costas fluidamente embaixo de mim. Tornei a me afastar.
 E quanto à Lara? O Jake?
Ela tornou a fazer sshh.
 Menos língua e mais boca. — Disse, então me esforcei ao máximo. Pensei que a língua fosse o mais importante, mas ela era especialista no assunto.
 Santo Deus! — o Coronel disse com voz bastante alta. — Maldito! O drama, eis que se aproxima!
Mas não demos importância. Ela tirou minha mão de sua barriga e a colocou em seu seio. Eu o apertei, cauteloso, meu dedos movendo-se lentamente debaixo de sua camisa, porém sobre o sutiã, contornando seus seios e depois segurando um deles com a mão em concha, apertando suavemente.
 Você é bom nisso, — ela sussurrou, sem tirar os lábios dos meu.
Nós dois nos mexíamos em harmonia, meu corpo entre suas pernas.
 Isso é bem divertido, — ela sussurrou, — mas estou com sono. Continuamos depois?
Ela me deu outro beijo, minha boca tentando permanecer em contato com seus lábios, então saiu de debaixo de mim, colocou a cabeça em meu peito e dormiu no mesmo instante. Não fizemos sexo. Não ficamos pelados. Não toquei em seus seios despidos, e suas mãos não se aventurando abaixo de minha cintura. Não importava. Enquanto ela dormia, sussurrei:
 Eu te amo, Alasca Young.
Enquanto eu adormecia, o Coronel falou:
 Cara, você e a Alasca se beijaram?
 Uhum.
 Isso vai acabar mal, — ele disse para si mesmo.
Então caí no sono. Um sono profundo do tipo ainda-sinto-o-gosto-dela-na-boca, um sono que não era lá muito revigorante, mas do qual era difícil despertar.
Ouvi o telefone tocando. Eu acho. E acho que senti Alasca se levantando da cama, embora não possa ter certeza. Acho que a ouvi saindo. Eu acho. Era impossível precisar quanto tempo ela ficou fora. Mas o Coronel e eu despertamos quando ela voltou, fossem lá que horas fossem, porque ela bateu a porta com força.
Estava chorando, como naquela manhã pós-feriado, só que pior.
 Preciso sair daqui! — ela gritou.
 O que houve? — perguntei.
 Eu me esqueci! Meu Deus, quantas burradas posso fazer na vida? — ela disse.
Não tivera tempo de me indagar sobre o que ela estava falando, quando ouvi seu grito:
 PRECISO SAIR DAQUI! SÓ ME AJUDEM A SAIR DAQUI!
 Aonde você vai?
Ela se sentou e colocou a cabeça entre as pernas, soluçando.
 Só distraia o Águia para que eu possa sair. Por favor.
O Coronel e eu, igualmente culpados, dissemos prontamente:
 Está bem.
 Só não ligue o farol, — o Coronel disse. — Dirija devagar e não ligue o farol. Tem certeza de que está bem?
 Porra! Só se livra do Águia pra mim, — ela disse, meio soluçando infantilmente, meio gritando. — Meu Deus! Meu Deus! Sinto muito.
 Está bem, — o Coronel disse. — Ligue o carro quando ouvir a segunda explosão. — E saímos.
Não dissemos: Não dirija, você está bêbada.
Não dissemos: Não vamos deixá-la dirigir tão nervosa.
Não dissemos: Queremos ir com você.
Não dissemos: Isso pode esperar até amanhã.
Qualquer coisa - tudo pode esperar. Fomos até o banheiro, pegamos os últimos três cordões de bombinhas embaixo da pia e corremos para a casa do Águia.
Não sabíamos se ia funcionar novamente. Mas funcionou bastante bem. O Águia saiu correndo assim que ouviu a primeira explosão de bombinhas - estava nos esperando, eu acho. Fomos para a floresta e conseguimos levá-lo para bem longe, de modo que ele não ouviu quando Alasca saiu de carro.
Então o Coronel e eu voltamos, pelo meio do regato para poupar tempo. Entramos pela janela dos fundos do Quarto 43 e dormimos como bebês.

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